O Brasil pediu autorização da Fifa para testar uma espécie de “árbitro auxiliar” nas decisões de campo (coisa que já vem acontecendo sem o menor pudor, apesar dos desmentidos da CBF). Mas trata-se de uma autorização apenas para teste, com duração de dois anos. E creio que jamais será aprovada de forma definitiva pela Fifa, que irá engavetar os resultados, como fez no caso dos árbitros auxiliares, atrás dos gols.
O motivo é muito simples: o fair play pregado pela Fifa é muito mais do que devolver a bola ao adversário em sinal de agradecimento ou gentileza após uma interrupção do jogo, normalmente em caso de contusão de jogadores. A essência do fair play é o princípio de igualdade, ou seja, um futebol em que todos sejam iguais e tratados de forma igual. É uma forma de não favorecer o capital, ou favorecer quem tem grana.
Aceitar que alguns implantem a tecnologia enquanto outros não poderão fazê-lo tornará o futebol uma forma de discriminação
A tecnologia no futebol é linda – na teoria. Na prática, federações ou confederações mais pobres não têm condições mínimas de arcar com isso. O leitor poderá responder “quem pode faça, quem não pode não faça”. Mas isso não é tão simples, justamente por ferir o tal principio da igualdade, previsto pela própria Fifa. O leitor sabia que as federações de Roraima, Rondônia ou Acre têm dificuldades até para comprar as bolas para os jogos? Ou que em alguns locais do Amazonas as equipes não têm como pagar o exame antidoping? Como será, então, em algumas nações africanas quando se implantar a tecnologia? Países e clubes terão de desistir dos campeonatos?
Lógico que todos querem que o futebol avance e evolua, mas isso precisa acontecer de forma igual. Aceitar que alguns países e times implantem a tecnologia enquanto outros estão impedidos de fazê-lo tornará o futebol uma forma de discriminação social, moral e ética. Em resumo, ou funciona para todos, ou não funciona para nenhum – eis uma diretriz com a qual concordo totalmente.
Antes de pensar na tecnologia, temos de seguir passo a passo. Em primeiro lugar, exigir que todos os estádios tenham um padrão de qualidade ao menos similar. Só depois podemos falar em tecnologia. Estádios com banheiros químicos, alimentação de péssima qualidade e limpeza precária são assuntos muito mais importantes, que devem ser resolvidos bem antes da tecnologia. Há inúmeros estádios no Brasil a respeito dos quais podemos nos perguntar: eles dão boas condições ao torcedor? Condições dignas? E sabemos que a resposta é “não”.
Mas antes de resolver tudo isso vamos instalar telões, chips nas bolas, comunicador entre o trio de arbitragem e um quarto árbitro fora de campo? É como tirar o sofá da sala, naquela antiga piada. Algo totalmente sem sentido neste momento.
O futebol precisa mudar, sim, mas um passo de cada vez.