Em 26 de junho de 2018, o ministro Dias Toffoli proferiu decisão na qual concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus em favor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado por corrupção passiva, crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa pela Justiça Federal no Paraná. A decisão de Toffoli foi proferida por ocasião do julgamento da Reclamação Constitucional 30.245, ainda não concluído.
Em referida Reclamação, a defesa de José Dirceu apontou ao STF a inconstitucionalidade de decisão do TRF-4 que determinara, à 13.ª Vara Federal de Curitiba, o imediato cumprimento da pena imposta ao condenado, quando do esgotamento daquela instância recursal de jurisdição. Todavia, e ao contrário do que argumentado pela defesa, não havia inconstitucionalidade na decisão do TRF-4. A decisão do Tribunal Regional Federal foi proferida em sintonia com jurisprudência consolidada no STF, segundo a qual é autorizado o cumprimento de pena após decisão condenatória em segundo grau de jurisdição.
Nada obstante, referida Reclamação pretendia fazer crer que a decisão do TRF-4 contrariava o que decidido pelo STF em julgamento de caso específico – o habeas corpus 137.728/PR. É que, nesse HC, o STF determinou a substituição de prisão preventiva aplicada a José Dirceu por medidas cautelares diferentes da prisão, dado que inexistentes os pressupostos autorizadores da preventiva. Ou seja, no entender da defesa, ao mandar executar imediatamente decisão condenatória, o TRF-4 estaria a descumprir a decisão proferida pelo STF no HC 137.728, que mandava soltar o mesmo réu. Ocorre que, como observado pela Procuradoria-Geral da República no julgamento da Reclamação, o HC 137.738 cuidava de questão diversa: discutiam-se ali os pressupostos de prisão preventiva aplicada a Dirceu, sendo que a ordem do TRF-4 determinava o imediato cumprimento de “prisão-pena”, ou seja, prisão decorrente de decisão condenatória.
Toffoli disse respeitar a colegialidade, mas fez valer justamente o seu posicionamento pessoal
No julgamento da Reclamação, Toffoli acolheu a observação da Procuradoria-Geral da República. Explicou, inclusive, que, muito embora guarde entendimento pessoal diverso, “à luz do princípio da colegialidade, tenho aplicado o entendimento predominante na corte a respeito da execução antecipada”. Todavia, e apesar da ressalva, mais adiante Toffoli adota conduta que resulta em fazer valer justamente o seu posicionamento pessoal sobre o entendimento consolidado do tribunal: o ministro concede uma ordem de ofício para determinar a soltura de José Dirceu, sob o fundamento de que uma tese apresentada pela defesa do condenado, na Reclamação, tinha plausibilidade jurídica.
Observe-se que a tese apresentada pela defesa e à qual se referiu o ministro relator nem sequer era objeto da Reclamação Constitucional, então em julgamento pelo tribunal. A tese apresentada marginalmente pela defesa dava conta de informar a possível prescrição da pretensão punitiva do Estado sobre José Dirceu, dada a idade do réu na data da condenação (70 anos). O cálculo da prescrição da pretensão punitiva, nesse caso, foi feito pela defesa com base em pena definida em concreto. Ocorre que essa pena pode mudar. Afinal, o Ministério Público Federal, autor da ação penal originária, apresentou Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) visando justamente a alteração da pena imposta ao réu.
Quando Dias Toffoli concede ordem de habeas corpus de ofício com base na possível prescrição da pretensão punitiva do Estado em face do réu, está a descumprir comando constitucional que atribui ao STJ competência para análise de Recurso Especial interposto de decisões proferidas por instâncias ordinárias de jurisdição (no caso, do TRF-4). De fato, o STJ está a analisar Recursos Especiais que podem vir a modificar a dosimetria da pena aplicada ao condenado, resultando em alterações quanto à possível prescrição dos crimes que lhe foram imputados. Houve, portanto, no caso, supressão de instância e usurpação de competência por parte do STF, dado que incorreto calcular ou supor, no caso, possível constrangimento ilegal ao preso.
A Reclamação Constitucional 30.245, objeto deste artigo, foi devolvida ao relator para inclusão em pauta de julgamento após pedido de vista do ministro Edson Fachin. Espera-se que, por ocasião do julgamento, Toffoli revise seu posicionamento, porque contrário à ordem constitucional e ao sistema recursal brasileiro.