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O julgamento de Lula, termômetro das instituições brasileiras

 | Ricardo Stuckert/Divulgação
(Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação)

Ser o franco favorito em um iminente pleito presidencial pode tornar alguém impermeável ao arcabouço penal do país que pretende governar? A devoção de parte expressiva das massas confere ao líder ungido status de supralegalidade?

O desfecho do caso Lula pode ser um termômetro valioso para aferir o nível de maturidade institucional a que o país chegou. Continuamos a ser parte da “velha” América Latina, orbitando em torno do carisma e megalomania de indivíduos “predestinados”, ou finalmente reconheceremos a primazia das leis sobre os homens – quaisquer que sejam eles?

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill era virtualmente um semideus na Inglaterra, aclamado em todo o mundo, reconhecido interna e externamente como uma das lideranças a quem se devia tributar o triunfo dos Aliados. Com tais antecedentes, era natural que o Partido Conservador, ao qual pertencia, ingressasse nas eleições que se seguiram ao fim da guerra como (quase) indisputável favorito e que Churchill fosse reconduzido ao cargo de primeiro-ministro. Para espanto geral, as urnas não endossaram o favoritismo.

Inconscientemente, incorporamos o preceito de que os fins justificam os meios

Os ingleses não têm o mesmo fetiche que os latino-americanos por lideranças messiânicas. Fosse pelas bandas de cá, não é absurdo supor que Churchill teria sido instado por bajuladores a surfar no imenso respaldo que possuía e arquitetar uma manobra constitucional para continuar no poder. Eis aí uma diferença fundamental entre uma nação que cultiva leis e princípios e aquelas que preferem cultivar o ego e a vaidade de seus líderes.

O fenômeno Lula diz muito sobre o Brasil de hoje, que, no fundo, continua sendo o Brasil de ontem e de sempre, pelo menos no campo dos costumes: inconscientemente, incorporamos o preceito de que os fins justificam os meios e tendemos a ser complacentes com desvios éticos, desde que cometidos por aqueles que acreditamos bem intencionados ou que julgamos ter uma lista expressiva de serviços prestados.

É certo que inúmeros outros políticos brasileiros já deveriam, há muito tempo, ter sido banidos da vida pública. Talvez não poucos dos que frequentam os corredores do Congresso merecessem estar circunscritos aos corredores da Papuda. Paulo Maluf é um espécime retardatário, ilustrativo da tradição morosa do Judiciário brasileiro. Tais constatações, entretanto, não tornam Lula menos responsável pelos abusos e crimes que tenha praticado no exercício da Presidência ou depois dela.

Boa pontuação no Ibope não deve servir de salvo conduto pra ninguém. No direito, a cominação legal independe de o sujeito ter 99% ou 0,99% nas sondagens de preferência pública, e não está atrelada ao tamanho das obras e das realizações computadas no currículo dele. Havendo efetiva culpa, que Lula seja condenado e retirado do páreo presidencial. Mais que de homens públicos populares e carismáticos, muito mais que de mitos, o Brasil precisa de representantes íntegros, éticos e dispostos a respeitar as leis.

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