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A presidente da Eslováquia, Zuzana Caputova.
A presidente da Eslováquia, Zuzana Caputova.| Foto: Attila Kisbenedek/AFP

Enquanto grande parte da atenção está voltada para o Irã e a China, a disputa entre a ordem mundial liberal e os demagogos populistas que a ameaçam teve uma reviravolta inesperada: em uma região onde parecia mais improvável, uma ação de retaguarda discretamente começa a desafiar a "escalada populista".

Com o Reino Unido prestes a deixar o bloco europeu e Donald Trump agindo como um albatroz global, alguns analistas já descartam o liberalismo; outros, porém, têm fé em que a doutrina continue firme e forte, e ainda esperam que surja uma "retaliação à retaliação" na Europa Ocidental.

E eles talvez estejam certos. Fenômenos no mínimo curiosos estão ocorrendo, mas não necessariamente no Ocidente; pelo contrário. Surpreendentemente, estão sendo vistos na Europa Central e Oriental.

Os países dessa região se tornaram parte da ordem liberal somente após a dissolução do bloco soviético, em 1989; de modo geral, são vistos como parciais à Rússia, com forte propensão ao populismo incubado que enfraquece a democracia.

Na Europa Central, líderes liberais e ativistas começaram a reagir contra o populismo

Entretanto, de uns meses para cá eles vêm se tornando o marco zero para o que já começa a parecer uma volta por cima das forças liberais, pelo menos dentro dessa zona: mais de dez países destituíram populistas por meio do voto, realizaram protestos épicos ou se posicionaram fortemente contra a Rússia.

A ortodoxia reinante reza que é apenas uma questão de tempo até que os partidos de extrema-direita comecem a ganhar as eleições, em um país após o outro, mas evidências na Europa Central vão na contramão dessa tendência, pois líderes liberais e ativistas começaram a reagir contra o populismo.

O caso mais interessante é o da Eslováquia, onde as pesquisas que antecederam as eleições ocorridas em março mostraram dois populistas disputando a liderança. No fim, porém, uma novata menos bombástica e com olhos voltados para o Ocidente acabou confirmando uma vitória impressionante: Zuzana Caputova, que tirou vantagem do sentimento antipopulista gerado pelo assassinato de um jornalista anticorrupção.

Da mesma forma, na Polônia, as eleições locais e municipais dos últimos dois anos foram ganhas por candidatos liberais, e não pelo partido populista que rege o país. Na Bulgária, em 2017, a população desbancou, por intermédio do voto, o governo populista russocêntrico, levando de volta ao poder o ex-primeiro-ministro Boiko Borisov, pró-Otan e pró-União Europeia.

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Mais que isso: a ascensão de Caputova e um bloco sólido de apoio – dois fatos dignos de destaque em um país profundamente conservador – estão inspirando os líderes de oposição em outras nações. Na República Tcheca, por exemplo, milhares de manifestantes estão nas ruas contra o primeiro-ministro Andrej Babis, ex-empresário com tendências demagógicas assustadoras, acusado de corrupção.

Hungria, Romênia, Moldávia e Geórgia também vêm testemunhando manifestações antipopulistas significativas desde 2017. No início deste ano, os húngaros se uniram em massa para protestar contra o chefe de governo populista mais conhecido da Europa: Viktor Orban, famoso por enfraquecer a democracia por meio de sua corrupção, má gestão e repressão à imprensa. Os romenos recentemente comemoraram a prisão de Liviu Dragnea, político mais poderoso do país e presidente do Partido Social Democrata, o mesmo que já desafiara a Comissão Europeia e fez inúmeras tentativas de blindar os políticos da lei.

Após os protestos na Moldávia, um partido liberal de oposição assumiu o poder, ainda que ao lado de uma facção socialista favorável à Rússia. E os georgianos estão nas ruas de Tbilisi, em protestos imensos, contra o governo de tendências populistas, o mesmo que já permitiu a um membro do Parlamento russo discursar dentro de um prédio governamental.

A Europa Central também vem assumindo posições fortes e/ou ações diretas contra a Rússia – como a Grécia, que expulsou diplomatas daquele país em resposta à interferência na definição do nome da Macedônia do Norte. Em 2016, Montenegro prendeu um grupo violento que tinha apoio russo e tramava um golpe; este ano, 14 membros foram condenados e já estão cumprindo pena.

Os líderes populistas tendem a fazer governos ruins, principalmente na área de política econômica

Essa tendência antipopulista acontece diante de uma forte ingerência russa, na forma de guerra cibernética e, em alguns casos, da intervenção direta de agentes do Serviço de Segurança Federal. A Rússia também interferiu nas eleições do Parlamento Europeu, em maio, para as quais as pesquisas e os analistas tinham previsto uma grande conquista populista. Entretanto, não só vários políticos dessa linha – como os do partido AFD alemão, por exemplo – foram pior do que se esperava, como estão longe de conseguir formar maioria.

Na própria Europa Ocidental não se viu uma ausência total de resultados liberais: na Dinamarca, uma rara vitória nacional colocou os sociais-democratas em vantagem sobre os populistas de direita no mês passado. Estes também ficaram de fora dos governos recém-formados da Finlândia, Suécia e Estônia (o primeiro-ministro estoniano levou um partido populista de minoria para sua coalizão de governo, mas as pesquisas de opinião indicam que o experimento não está dando muito certo).

O Partido Socialista espanhol derrotou os populistas com facilidade e o jovem líder austríaco de direita Sebastian Kurz, após perder um voto de confiança que lhe custou o cargo de chanceler, aparece bem posicionado para brigar por um novo mandato nas próximas eleições, depois de ter se livrado do contingente populista de sua coalizão. E, no último fim de semana, a facção grega de extrema-direita Aurora Dourada teve um desempenho surpreendentemente pífio em uma eleição que levou ao poder um partido e um ministro tradicionais de centro-direita.

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Apesar de tudo isso, a dúvida persiste: é possível discernir aí uma dinâmica atuante? De qualquer forma, a lógica pode muito bem estar do lado dos liberais: primeiro, porque os líderes populistas tendem a fazer governos ruins, principalmente na área de política econômica; segundo, quanto mais a Rússia se mostrar beligerante e fizer com que os países europeus se sintam inseguros, mais nações como a Polônia evitarão se tornar excessivamente populistas. Por fim, embora o eleitor europeu venha retirando seu apoio aos partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita, os liberais, verdes e outros sem dúvida pregam políticas antipopulistas.

Talvez seja preciso um pouco mais de tempo para afirmar que uma versão mais ampla, global, da "retaliação à retaliação" esteja em marcha, mas na Europa Central as evidências são claras. Grandes protestos começaram a pipocar recentemente na Turquia, Argélia, Sudão, Cazaquistão, Venezuela e, com maior destaque, em Hong Kong. Embora a onda já dê a impressão de ter crescido no Ocidente, a luta contra o populismo ganhou o reforço das forças liberais reagrupadas. A tão celebrada ordem mundial, por mais danificada que pareça, continua intacta em um nível bastante significativo.

Jeffrey A. Stacey foi membro do Departamento de Estado do governo Obama e é autor de Integrating Europe.

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