O sonho de morar na casa própria faz parte do imaginário da população brasileira. Para construir sua moradia isolada, as pessoas se obrigam a se afastar dos centros urbanos onde a estrutura de comércio, prestação de serviços é mais intensa, principais características das cidades onde se encontram os espaços públicos mais bem equipados para o convívio humano.
Nas cidades densamente urbanizadas a realização desse sonho está cada vez mais difícil. Se a população de uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes, por exemplo, morasse somente em casas isoladas, essa urbe ocuparia um território gigantesco e economicamente inviável. A verticalização é um processo sem volta para atender à demanda de moradia e viabilizar sua infraestrutura.
Circulando pelas cidades é facilmente verificável que antigas residências localizadas nas regiões mais urbanizadas foram transformadas em clínicas, escritórios ou pizzarias. Nessas áreas, e nas vias de grande circulação de veículos, dificilmente se constroem novas unidades isoladas.
Para preservar "a qualidade de vida da moradia isolada", aumenta a procura por condomínios fechados, tendo a segurança como principal argumento. Questão relativa, pois, mesmo com grande dispositivos de controle e sofisticados aparatos eletrônicos, não escapam de assaltos. Em muitos momentos as pessoas se sentem presas em seus condomínios com a sensação de que os bandidos é que estão livres.
O condomínio fechado é a anticidade, enquanto "resolvem-se" os problemas de seus moradores, criam-se grandes áreas isoladas de segregação social e com ausência de espaço público. Lembrando as afirmações de Jane Jacobs, os bairros serão tanto mais seguros e interessantes quanto maior for a diversidade de uso residencial, comercial e de lazer nas mais diferentes horas e dias de funcionamento.
O contato com a natureza "perdido" com a construção de edifícios em altura deve ser recomposto com a implantação de parques públicos, de praças e de ruas equipadas e arborizadas. Não por acaso as cidades mais agradáveis de serem vividas e visitadas possuem os melhores espaços públicos.
No final do século 19, as cidades europeias realizaram as melhores experiências de urbanismo. Em áreas anexas às malhas medievais executaram-se novos assentamentos com habitação coletiva em edifícios de médio porte construídos no alinhamento de ruas e avenidas com largas calçadas contendo jardins acrescidos de muitos equipamentos. Esse processo se mantém e se complementa continuamente. Paris e Barcelona estão entre os melhores exemplos.
Nas cidades norte-americanas, o centro tradicional, o downtown, foi construído conforme o modelo europeu. Mais tarde, com o advento do elevador e o desenvolvimento de grandes estruturas de aço e de concreto armado ocorreu forte verticalização, mas as moradias continuaram sendo construídas isoladas nos "subúrbios". Essa solução exige grandes custos de infraestrutura e de deslocamento.
As cidades brasileiras ainda estão sendo construídas e consolidadas adotando outro modelo. A verticalização ocorre inadequadamente em lotes projetados para residências. Edifícios são construídos ou muito afastados ou muito próximos, com desenho urbano disforme, resultando em paisagem urbana desigual.
Mas o mundo contemporâneo apresenta outra realidade: as cidades não se configuram mais como centro e periferia. A qualidade de vida não está mais vinculada a esse conceito. A facilidade, ou dificuldade de deslocamento, e a tecnologia digital mudaram o modo de se viver nas cidades. Regiões boas e ruins se apresentam de forma fragmentada ao longo do seu território.
A melhora das nossas cidades vai acompanhar o desenvolvimento econômico por que o Brasil está passando, com a iniciativa privada construindo melhor e o Estado equipando melhor as áreas públicas.
Curitiba ou, melhor, a região metropolitana de Curitiba, ainda apresenta bons locais para se morar em casa ou em apartamento, seu modelo de gestão urbana ainda possibilita novos aprimoramentos.
Salvador Gnoato, arquiteto, é professor na PUCPR.
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