Em 2018, fui convidado a fazer uma palestra em Oxford sobre porque Bolsonaro venceu. Eu disse que aceitaria falar sobre porque os democratas-progressistas perderam. A palestra se transformou em livro que será publicado em breve.
No ano que vem, completaremos 35 anos de democracia, dos quais 26 com democratas-progressistas no poder. Depois desse tempo no poder, com cinco presidentes – Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer –, o quadro que deixamos não satisfez o eleitor, que nos derrotou. Temos de fazer autocrítica e entender onde erramos.
Erramos ao achar que nosso papel era apenas recuperar a democracia na política e acelerar o crescimento na economia com mínimas ajudas aos pobres. Ignoramos as transformações na civilização, sob forma de globalização, inteligência artificial e limites ecológicos ao crescimento.
A saída para o Brasil não virá pelos sectários, que são iguais com palavras diferentes
Prisioneiros do imediatismo eleitoral, submetemo-nos ao corporativismo de empresários e de trabalhadores; preferimos atender aos sindicatos do que ao povo, ao presente do que ao futuro. Em vez de usar o poder para transformar, preferimos nos acomodar.
Não percebemos o esgotamento financeiro, administrativo e moral do Estado. Continuamos recusando as reformas necessárias para fazê-lo eficiente, comprometido com o público e protegido contra a corrupção.
Optamos pela irresponsabilidade fiscal, jogando o país na recessão, no desemprego e na inflação. Desprezamos a austeridade nos gastos públicos, defendendo mordomias e privilégios, quando deveríamos ter sido a vanguarda das reformas necessárias ao progresso.
Preferimos falar aos eleitores no presente, mesmo enganando-os com populismo, a dizer a verdade e apontar para o futuro. Relegamos a importância da cultura na formação de uma mente brasileira comprometida com o progresso: a educação, a sustentabilidade, a eficiência, a paz, o sentimento de patriotismo, a defesa da ética no exercício do poder e dos serviços públicos.
Não percebemos que nossa bandeira viável e revolucionária consistiria em uma “concertação nacional” por uma estratégia de longo prazo para colocar o Brasil entre os melhores do mundo em educação. Se tivéssemos seguido essa estratégia nos 26 anos que estivemos no poder, hoje teríamos economia eficiente e sociedade justa.
Fabricamos o “outrismo” e agora é difícil sair dele. Para isso, será preciso entender onde erramos e formular nossas propostas de rumo para o futuro: atrair o eleitor para uma alternativa que construa um novo Brasil, sermos estadistas, não apenas políticos. Mas isso não parece fácil pela fragilidade de nossos filósofos e pelos vícios de nossos políticos.
A saída para o Brasil não virá pelos sectários, que são iguais com palavras diferentes, que se autoalimentam, conseguindo eliminar todos que não se identificam com os reacionários “obscurantistas” ou com os reacionários “obsoletistas”, que fazem uma aliança de inimigos, repetindo 2018 em 2022.
Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.
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