Em meu livro intitulado Seu Futuro, publicadopela Editora Fundamento em 2011, chamei a atenção para o problema da “geração perdida” e seus 70 milhões de jovens que a crise financeira mundial de 2008 e anos seguintes havia deixado desempregados. Segundo a imprensa noticiava em 2010, grande parte desses jovens estava desistindo de lutar e de sonhar com a possibilidade de crescer e ter uma vida melhor.
Naquele ano de 2010 falava-se em uma nova fonte de desgosto, desânimo e depressão: o Brasil e o mundo estavam notando, com certa surpresa, que os filhos caminhavam para ter um padrão de vida inferior ao dos pais. Nos 50 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o normal era os filhos terem melhores oportunidades de trabalho e de ascensão social, assim, melhores condições de bem-estar e um padrão de vida superior ao dos pais.
Mas a coisa mudou, a população mundial saiu de 3 bilhões em 1960 para 7,8 bilhões neste fim de 2020, e mesmo jovens com diploma universitário começaram a perceber que não obterão o padrão de renda de seus pais ou, pior ainda, não encontrarão emprego. Doze anos após o estouro da crise financeira mundial, cabe perguntar: onde está a geração do início da crise, hoje com idade entre 30 e 42 anos? E onde está a geração com idade atual entre os 18 e 30 anos hoje?
Em agosto de 2010, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertou para a existência de uma geração de 81 milhões de jovens desempregados em 2009, por efeito da crise financeira. A OIT usou uma expressão pungente: “O mundo está diante do risco de surgir uma geração perdida, constituída de jovens que abandonaram o mercado de trabalho e perderam as esperanças de poder trabalhar e ganhar a vida decentemente". Sara Elder, economista autora do relatório da OIT, lembrava que essa geração perdida não estava apenas em países atrasados, mas também nos países desenvolvidos.
Matéria publicada na Gazeta do Povo em 22/10/2012, sob o título “Juventude Desperdiçada”, falava que, segundo dados do Censo 2010, mesmo com desemprego baixo e com falta de mão de obra qualificada em alguns setores, o Brasil “desperdiça” um em cada cinco jovens adultos entre 18 e 25 anos, e 19,5% dos brasileiros nessa faixa etária não estavam estudando nem trabalhando nem procurando emprego.
Em 2012, a Espanha era um exemplo dramático. O desemprego geral era de 23,4%, mas, entre os jovens, chegava perto de 50% sem trabalho. O Fundo Monetário Internacional (FMI) já vinha alertando para a tendência de aumento do desemprego no mundo e que a população mais afetada seriam os jovens. Dominique Strauss-Kahn, então diretor do FMI, afirmava que a situação iria se agravar com a entrada de 400 milhões de jovens no mercado de trabalho mundial nos 10 anos seguintes, ou seja, até 2021.
A moda agora é exaltar a chegada dos robôs cognitivos, das máquinas sem piloto, dos carros sem motorista, da inteligência artificial executando tarefas intelectuais e das proezas derivadas da revolução tecnológica 4.0. Bem, a tecnologia sempre produz maravilhas, mas o fato é que não se pode ignorar o dramático efeito colateral: milhões de pessoas perderão seus empregos e as gerações perdidas talvez nunca tenham um.
No dia 13/10/2020, a imprensa comentou um estudo a ser apresentado em dezembro de 2020 no Encontro de Economia da ANPEC (Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação), concluindo que 105 mil vagas podiam ser extintas no governo federal em função da automação. Isto é, a tecnologia permitiria diminuir 105 mil vagas em um total de 521.701 servidores de um certo grupo de ministérios e órgãos federais analisados. É a revolução tecnológica entrando no setor de serviços e extinguindo empregos.
Por mais que resulte da genialidade inventiva do ser humano, esse cenário produz danos sociais graves e uma tragédia humanitária pode advir, caso nada seja feito para criar novas oportunidades de trabalho. Se os capitalistas e os governos democráticos não tratarem de resolver o problema, que o escritor Yuval Harari chamou de “uma enorme classe sem utilidade”, eles estarão dando combustível para o retorno de algumas teorias radicais.
O empresário-guru Elon Musk, presidente da Tesla, criou grande polêmica em novembro de 2016 ao declarar o medo de que a inteligência artificial e os robôs possam roubar os empregos dos humanos em tal nível que a única saída seria o governo tributar a produção feita pelos robôs e pagar um salário para toda a população. “Estou cada vez mais inclinado a achar que deve haver alguma regulamentação, talvez em nível nacional ou internacional, para garantir que não façamos algo muito estúpido”, disse ele.
Há visões menos pessimistas. A consultoria mundial McKinsey fez um relatório em dezembro de 2017, sob o título Jobs Lost, Jobs Ganined: Workforce Transitions in a Time of Automation, falando que novos tipos de trabalho e de emprego serão gerados nas próximas décadas, logo não haveria o desastre anunciado. Mas o desastre já está batendo em nossas portas! A McKinsey não disse o que fazer com a geração perdida que aí está. Aliás, já não é apenas uma, mas duas gerações perdidas, a considerar cada uma dos 18 aos 30 anos de idade.
Fechar os olhos para o problema é uma estupidez mastodôntica, pois o problema baterá em nossa porta, e não sabemos se baterá suavemente com as mãos ou com violência. Pode-se dizer: ok, mas qual é a solução? Bem, não há milagres. Primeiro, o fenômeno precisa ser bem estudado e entendido. Segundo, a humanidade precisa usar a mesma genialidade que criou a revolução tecnológica para solucionar as consequências. O mundo precisa de grandes líderes. Infelizmente eles andam escassos.
José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.