Oposicionista do presidente Evo Morales, o senador Roger Pinto Molina tornou-se alvo de perseguição quando denunciou a ligação do governo boliviano com o narcotráfico. Passou a ser perseguido com acusações de corrupção, desacato e venda de bens públicos. Temendo por sua vida, em 28 de maio de 2012 Roger Pinto refugiou-se na sede da missão diplomática brasileira em La Paz com pedido de asilo e proteção ao governo brasileiro.
Em 22 de agosto de 2013, mais de um ano depois, o encarregado de negócios da embaixada do Brasil em La Paz, Eduardo Saboia, retirou, em fuga, o senador da embaixada do Brasil, desencadeando crise diplomática que culminou com a demissão do chanceler Antonio Patriota. Desde essa data, já em território brasileiro, não se tem notícias do senador Roger Pinto.
Descobriu-se, contudo, recentemente, que em 8 de junho de 2012 o governo brasileiro confirmou a concessão do asilo já ofertado pelo embaixador à época, Marcel Biato. Entre junho e julho, na sequência, o vice-presidente da Bolívia ameaçou o Brasil com retaliações e afirmou que a concessão do asilo foi um ato "desatinado" do governo brasileiro. Na mesma oportunidade, o governo boliviano pediu "publicamente" a cabeça do embaixador brasileiro Marcel Biato e pressionou o senador Roger Pinto a deixar a embaixada brasileira e a enfrentar a Justiça boliviana. Dias depois, o governo brasileiro "exonerou" Biato, que voltou para o Brasil, e nenhum outro diplomata foi indicado para a função. Foi então que Eduardo Saboia assumiu a chefia da missão diplomática na Bolívia.
Nesse ínterim, a ministra da Justiça boliviana, Cecília Ayllón, propôs ao Brasil que retirasse o senador de território boliviano sob "as vistas grossas do governo de Evo Morales" e o conduzisse a um terceiro país. Em fevereiro de 2013, pouco tempo mais tarde, Evo Morales pressionou publicamente a presidente Dilma para que resolvesse o problema de uma vez por todas. Em maio de 2013, o chefe da Divisão da América Meridional do Itamaraty desembarcou em La Paz levando carta lacrada, sem selo e sem assinatura, propondo ao senador Roger Pinto que abrisse mão do asilo no Brasil e deixasse a embaixada, dirigindo-se a um terceiro país. Sua resposta foi enfática: "Prefiro cortar os pulsos".
Na sequência, em 22 de agosto de 2013, Eduardo Saboia retirou o senador da embaixada brasileira. Dirigiu até Corumbá (MS) e, por avião, chegou a Brasília, protegido pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Antonio Patriota, pressionado, deixou a Chancelaria e foi deslocado para representar o Brasil na ONU, enquanto Marcel Biato, punido, viu retirada, pela presidente Dilma, sua indicação para a Embaixada do Brasil na Suécia. Do lado mais fraco, Eduardo Saboia sofre sindicância administrativa injusta.
E o senador Roger Pinto?
O governo brasileiro diz que não nos deve satisfação, pois essas são "informações confidenciais secretas". Contudo, o que o governo não sabe é que a condução das relações internacionais é uma das mais importantes funções de Estado, e deve ser feita em nome do povo, com transparência e boa fé. Não há dúvida de que o governo brasileiro há muito perdeu a ambição de protagonismo na condução da política externa e na proteção dos direitos humanos, mas será que perdeu, definitivamente, a vergonha também?
Maristela Basso, advogada, é professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).
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