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Nos últimos dias, a imprensa brasileira demonstrou-se pródiga na veiculação de matérias que apresentam fatos reveladores de novos focos da endêmica corrupção que assola o país.

Trata-se de contratos e de parcerias envolvendo, de um lado, certos governos, de outro, certas entidades privadas sem fins lucrativos, genericamente referidas no Brasil como organizações não-governamentais (ONGs).

Entendo ser pertinente enfrentar alguns aspectos desta difícil temática.

Um primeiro ponto a ser destacado é que estamos vivenciando na América Latina uma nova onda de governos populistas. O efeito nefasto do neopopulismo é que ele se insere nas raízes dos Estados democráticos e vai, pouco a pouco, corroendo seus ideais e minando suas bases. Travestidos de "Salvadores da Pátria", esses líderes neopopulistas – em sua grande maioria, eleitos legitimamente! – nada mais fazem do que construir seus egoísticos projetos de poder em torno do oferecimento de benefícios contínuos à população mais necessitada, criando assim um exército amorfo e acrítico de dependentes de Estado.

Um segundo aspecto a ser colocado em evidência refere-se à forma com que esses governos estabelecem suas alianças e reforçam seus compromissos, contando com o apoio irrestrito daqueles que sempre estiveram dispostos a prosseguir com o tradicional processo de espoliação e dilapidação do patrimônio público. A apropriação ilícita de recursos públicos para fins privados, tão representativa da cultura política latino-americana, ao contrário de encolher, amplia-se demasiadamente nesses governos neopopulistas. E qual é o seu diferencial em relação aos antigos governos desse mesmo naipe? Seus líderes contam com o apoio, não somente de pessoas acostumadas a enriquecer e a se promover por meio da exploração ilegal do público, mas também daquele exército de desassistidos a que me referi. Esta significativa massa da população – significativa, ao menos sob o viés quantitativo – certamente prosseguirá alijada do processo democrático. É que, em futuras eleições, irão expressar o desejo de continuidade de programas assistencialistas que, sem prejuízo de realmente lhes trazerem alento e incentivo a permanecerem vivos, em nada contribuirão para o incremento dos níveis de compreensão e entendimento da verdadeira realidade que os cerca.

Um terceiro tema a ser ressaltado relaciona-se à utilização das brechas e lacunas legais por esses líderes neopopulistas, com a finalidade de alcançarem os objetivos por eles perseguidos individualmente. Infelizmente, é neste momento que surgem as parcerias com supostas ONGs. Essas entidades são constituídas da noite para o dia, não detêm sede, patrimônio próprio ou histórico de atividades, e não estão inseridas em nenhum segmento representativo da sociedade. Essas entidades não são conhecidas pelo grau de excelência ou da qualidade elevada dos serviços sociais prestados à população. A elas não cabem desempenhar um serviço de utilidade pública ou de relevância social, e sim servir de destino ilegal de recursos públicos, notadamente para sustentar, entre outros objetivos escusos, os conhecidos "caixas 2" de campanhas eleitorais.

Uma quarta questão a ser apreciada refere-se aos objetivos para os quais a lei brasileira admite a criação de ONGs. Estas entidades devem ser constituídas como resultado do exercício de um importante direito consagrado em nossa Constituição: a liberdade de associação (Art. 5.º, inc. XVII). No entanto, embora a Constituição garanta, a todos os cidadãos e aos estrangeiros residentes no país, a liberdade de se associarem em torno de um objetivo comum, é a própria Constituição que estabelece que esses objetivos não podem estar relacionados a fins ilícitos, ou que acabem lesando o patrimônio público. Não por outra razão, e desde que comprovados que os motivos de sua criação e os objetivos por elas perseguidos são ilegais, a Constituição permite, tanto a suspensão das atividades dessas entidades, quanto a decretação judicial de sua extinção (Art. 5.º, inc. XIX).

Corrupção desencadeada por relações entre certos governos e certas ONGs não constitui novidade na recente história brasileira. Não se pode esquecer dos fatos que suscitaram a abertura da CPI dos Anões do Orçamento e da CPI das ONGs. Entretanto, em ano eleitoral, essas práticas espúrias tendem a aumentar e a se multiplicar em escalas consideráveis.

Escândalos envolvendo ONGs desmobilizam a sociedade civil, desgastando a sua imagem perante a opinião pública. Todavia, a apuração das ilegalidades e a punição dos responsáveis pela corrupção têm a finalidade de extirpar da sociedade essas entidades que nada acrescentam ao bem comum. Essas ONGs laranjas, criadas com finalidades ilícitas, nem mesmo podem ser regularmente designadas como ONGs.

Por tudo isso, os órgãos e entidades públicas, encarregados por lei de monitorarem e promoverem o combate à corrupção no Brasil, devem estar em constante estado de alerta e com a atenção redobrada.

Importante papel neste processo de preservação da estrutura republicana de nosso país deve ser desempenhado pela própria sociedade. Embora ainda muito reduzido, o controle social das instituições políticas representa uma – quando não a única – das formas para colocar em evidência fatos que demonstram a promiscuidade das relações entre certos governos e determinados grupos de pessoas, todos imbuídos de um imoral espírito desestabilizador da ordem democrática brasileira.

A atuação fiscalizatória dos cidadãos e das verdadeiras entidades do Terceiro Setor, ONGs legal e legitimamente constituídas, são absolutamente indispensáveis para a evolução e o desenvolvimento sadios da sociedade brasileira.

Gustavo Justino de Oliveira é presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PR.

gustavo@advcom.com.br

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