"Querem uma receita para utilizar dinheiro público com largueza, sem controle e sem o risco de ser levado a uma CPI? Funde uma ONG, procure seus amigos, "companheiros de luta" e correligionários instalados no governo federal, estadual ou municipal tanto faz e celebre com eles um convênio ou contrato para fins pouco específicos. Pode ser "a defesa da cidadania", a "redução das desigualdades", "o resgate da experiência histórica" ou a "inclusão digital" por exemplo, embora nessa última matéria (apud Ernani Buchman) a lembrança do nosso querido Júlio Gomel e sua especialidade médica sejam inevitáveis. Em seguida, terceirize sem licitação (já que as ONGs não precisam se submeter a essa liturgia demorada e incômoda) os "trabalhos" contratados para uma empresa constituída por outros amigos ou companheiros de luta e repasse para a mesma os recursos públicos que recebeu, ficando a ONG com uma módica comissão pelo seu "esforço".
Você já leu isso antes, paciente e fiel leitor? Leu sim e aqui mesmo, em um artigo intitulado "O Estado terceirizado" publicado em 2 de julho de 2006.O texto era digamos imodestamente profético. Confesso um erro: o de me mostrar cético em relação à possibilidade de que houvesse uma reação e o assunto acabasse numa CPI. Pois é, agora o Senado Federal instalou uma e o Tribunal de Contas da União, escandalizado com os abusos que estão sendo praticados envolvendo os governos, as empresas estatais e as ONGs, resolveu fazer uma investigação. Pois se forem mesmo fundo na devassa que ambos prometem, vão ficar muito mais escandalizados ainda e lembrarão o verso do Zeca Pagodinho: "quando eu contar... você vai pasmar!"
O que está acontecendo, aliás pela enésima vez na história administrativa brasileira, é a eterna luta entre alguns espertos que se aproveitam da utilização de determinadas formas mais modernas de administração pública para fugir ao controle e avançar sem escrúpulos no dinheiro da população. Explico: todas as vezes em que surge no mundo algum modelo diferente de gerir os negócios públicos que lhe empreste mais flexibilidade e eficácia, ela rapidamente chega ao Brasil pela mão dos estudiosos que se entusiasmam com a possibilidade de enfim vencer a letargia irritante da administração pública. Foi assim com o modelo das autarquias, utilizadas amplamente no primeiro governo de Vargas. Autarquias, como o nome indica, são órgãos que se autogovernam e para isso dispunham de grande autonomia operacional e financeira. Não deu outra: aqui na Terra Brasilis, quase que universalmente se transformaram em cabides de emprego, com salários fora de controle e espetáculos contínuos de favoritismo explícito. Foi assim com as fundações: administradores mais espertos exportaram o modelo das fundações do Código Civil para o Estado e assim, com uma simples leis autorizatória, os governantes começaram a criar fundações indiscriminadamente, com enorme autonomia financeira e operacional. Não deu outra e os abusos se multiplicaram exponencialmente. Foi assim também com as empresas mistas e públicas, que eram públicas no seu manejo, mas tinham natureza jurídica privada. Também não deu outra e a saga dos abusos nas estatais está aí para ser degustada em uma vasta literatura. E, em todos os casos, o que aconteceu? Para "moralizar" a administração e "coibir abusos", acabaram criando mais controles, mais entraves, mais lentidão na administração. A emenda foi tão ruim ou pior que o soneto.
Agora é o Terceiro Setor que se compõe daquelas organizações que se ocupam de assuntos ou prestam serviços de interesse público sem pertencer ao Estado que está sendo desmoralizado pela esperteza de alguns vivaldinos bem relacionados que já não são poucos. Está na hora de estabelecer regras claras para o relacionamento entre os governos, e as empresas estatais de um lado e as ONGs Organizações Não Governamentais e as Oscips Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público de outro. E imediatamente passar a controlar a farra do boi que que instalou nas relações financeiras de parte a parte. Mas sem recorrer a mais anacronismos formalistas para "moralizar" o assunto.
P.S. A Câmara Federal recriou a Sudene e a Sudam, ambas de tristíssima e negligenciável memória. A Síndrome de Rebecca a Mulher Inesquecível atacou de novo para alegria da turma que sempre mamou nessas tetas. Temos um belo futuro atrás de nós!
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