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Temida por uns, aclamada por outros, surpreendente para todos. Descreveria assim as reações diante do mais esperado documento do papa Francisco, a exortação apostólica Amoris Laetitia.

Depois de dois anos de um acalorado debate intra e extraeclesial, por ocasião dos dois Sínodos sobre a Família, o clima era de expectativa. Todos queriam saber como Francisco iria se posicionar, e as apostas corriam às soltas: uns, em ambientes, digamos, menos catequizados, juravam estar iminente uma revolução na Igreja, em que tudo se redefiniria; outros, ouvindo os brados dos primeiros, temiam que aquilo viesse a acontecer; mas quem conhecia bem o coração de Francisco – e, portanto, sabia de sua fidelidade inegociável à fé e de sua simultânea sensibilidade para com aqueles que dela se desviaram – permaneciam tranquilos.

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Francisco se debruça sobre as feridas da família como o bom samaritano da parábola

Nem reforma, nem continuidade, e ambas as coisas ao mesmo tempo. Trata-se de mais uma daquelas sacadas geniais que só Francisco sabe ter. O papa Bergoglio, ao contrário do que muitos entendem, está propondo um dos maiores empreendimentos pastorais de todos os tempos, e sem romper com o ensino dos papas anteriores – antes, garantindo que o mesmo seja bem sucedido.

De fato, São João Paulo II e Bento XVI levantaram a bandeira da defesa da lei natural, com todas as exigências éticas de que está imbuída, sobretudo o respeito incondicional à vida humana desde a concepção até a morte e a conservação da família natural. Definiram solidamente esta posição, e com argumentos racionais apreciados por filósofos de altíssima envergadura. Em suma, deixaram as controvérsias resolvidas. O debate intelectual estava ganho!

Mas como transferir as ideias para a vida? Como libertar a verdade dos estreitos cubículos de um debate intelectual? O bem deve prevalecer não apenas nas discussões, mas, acima de tudo, na história. E é aqui que entra sutilmente nosso Francisco. Não se trata de vencer, mas de convencer, e pela força da verdade e do amor. Esta é a sua metodologia.

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Em um mundo em que há tanta gente depreciando a importância da família, considerando-a uma instituição fracassada, arcaica, irrecuperável, e tudo isso por causa de suas feridas, Francisco se debruça sobre elas como o bom samaritano da parábola, enfaixando-as e mostrando que ainda é possível ser família, e que este é o melhor caminho para sermos felizes.

Em Amoris Laetitia, ele se ocupa a maior parte do tempo em conversar com seus leitores, levando-os suavemente a uma conversão interior. Retoma muitas ideias maravilhosas da tradição da Igreja, mas traduzindo-as em atitudes concretas, em gestos de amor.

É lógico que enfrenta os problemas. Mas, reafirmando vigorosamente a doutrina das Sagradas Escrituras, imposta seu discurso com a cadência da misericórdia divina. Ele não quer que as pessoas se relacionem com a Igreja a partir de um “não” – “não posso comungar”, “não posso me confessar” –, mas de um “sim”: “Deus me ama”, “a Igreja me acolhe”, “eu sou filho de Deus”.

Aos divorciados recasados, Francisco abre as portas da esperança. Mantendo as ressalvas de que os sacramentos só lhes podem ser oferecidos caso assumam o propósito de viverem a abstinência sexual, como afirmara João Paulo II na exortação Familiaris Consortio, ele os estimula a procurarem seus pastores e a abrir-lhes o coração. Há problemas criados ao longo de décadas, e não se podem resolver de imediato. Exatamente por isso, as palavras chaves na pastoral de Amoris Laetitia são “acompanhamento”, “discernimento” e “integração”.

Os princípios estão claros. Francisco não inventa nada, nem nos dá respostas prontas. Agora, trata-se de ir à procura das ovelhas e sair da própria zona de conforto!

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José Eduardo de Oliveira e Silva, padre da diocese de Osasco (SP), é doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma).