O que conhecemos como opinião pública nasceu entre os séculos 18 e 19. Até então, ideologias eram privilégio de intelectuais, religiosos e acadêmicos. O interesse popular pelo poder político fundado também em ideias, não apenas em força militar ou direito dinástico, foi base das revoluções Americana e Francesa. A alfabetização massiva promovida pela Inglaterra levou o debate a um nível jamais alcançado antes; ideias eram discutidas nas tavernas e esquinas. Segundo os acadêmicos e intelectuais, faltava substância e profundidade a essas querelas, o que talvez fosse verdade, mas também é verídico que essa costuma ser a postura de muitos pensadores quando contrariados. A compreensão superficial de uma ideologia soa como música a seus adeptos, e é prova de ignorância e simplificação para os que dela discordam.
Pierre Bourdieu, em um famoso artigo denominado “A opinião pública não existe”, publicado em 1973, já considerava que a produção de opinião estava ao alcance de todos, embora nem todas tivessem valor, e que já naquela época “a opinião pública está conosco” seria o equivalente do “Deus está conosco” para políticos que sabem manejar o aditivo das opiniões individuais, que compõem aquilo que denominamos a “voz do povo”.
Quando podemos selecionar o que lemos e ouvimos, tendemos a bloquear aquilo de que discordamos
Em nossos dias, as redes sociais são parte de uma nova e descomunal revolução na comunicação: nunca na história deste planeta tantos falaram tanto a tantos, e talvez tenham sido tão pouco ouvidos, ou ouvidos em excesso quando não deveriam. É evidente que nem sempre falam o correto, o adequado ou o virtuoso, mas é em “curtidas” que se mede hoje a aceitação ou rejeição de atitudes, imagens ou palavras.
Vivemos em um mundo conflagrado; a qualquer momento constatamos a ocorrência de assassinatos, terrorismo, crimes de todos os tipos. Isso não é segredo e muito menos novidade. Infelizmente a história da humanidade é quase sempre uma história de violência. Temos, no entanto, uma percepção mais aguda disso devido ao acesso instantâneo às notícias; talvez como nunca sejam válidos os versos de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída”.
Sabemos de imediato quando um torrão de terra é arrastado para o mar, mas não costumamos gostar de más notícias e, quando podemos selecionar o que lemos e ouvimos, tendemos a bloquear aquilo de que discordamos. A consequência é a formação de “guetos” de opinião, comunidades inteiras que, por nunca prestarem a menor atenção em ideias dissonantes das suas, julgam que o que pensam é o único pensamento que existe e, portanto, reflete uma verdade quase divina. No limite isso pode resultar – e resulta – em verdadeiras tragédias, já que é difícil verificar os fundamentos de nossas opiniões. Elas se movimentam muito mais rapidamente que a própria realidade, e costumam ter em seu entorno certo grau de excrescências, de loucuras e de contribuições de muitos.
O pensamento não é exatamente objetivo, pois ocorre com o envolvimento do pensante e de suas circunstâncias causadoras e/ou causadas. Este relacionamento, quando adequadamente conjeturado, efetiva a passagem da opinião para o conhecimento; sem recurso dos fatos, é gerada simplesmente uma razão interna que só reconhece o semelhante, não se volta para o mundo, incorpora apenas a si própria, confirmando-se continuamente. O verdadeiro raciocínio assume as diferenças entre as coisas, evitando a autorreferência.
Nas mídias sociais raramente existem condições de transformar opiniões em conhecimento, sendo estas estabelecidas como a própria verdade, o que já causou muitas vezes a condenação de inocentes, ou a quase beatificação de culpados.
O processo cognitivo se enfraquece quando aceitamos sem tensão o que nos é apresentado. É preciso lembrar que separar o verdadeiro do falso exige esforço, reflexão e algum tempo; e que apenas disso advirá maturidade.
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