As dificuldades sociais e econômicas vividas pelas comunidades litorâneas do Paraná são um contraponto à riqueza de ecossistemas, biodiversidade e recursos naturais da região. Comunidades tradicionais que englobam quilombolas, indígenas e caiçaras, assim como muitos outros grupos e pessoas que se reúnem naquele território, são detentores de diversas culturas e formas de uso e conexão com o local.
As fontes econômicas envolvem atividades pesqueiras, turísticas, comerciais, educacionais e portuárias. Todas, entretanto, demandam zoneamento e ordenamento para garantir a manutenção de condições e recursos ambientais às atuais e às próximas gerações.
O desenvolvimento de grandes empreendimentos costuma ser lido pela sociedade como entrada de recursos financeiros. No entanto, seria um erro não refletir sobre o destino e as consequências geradas por esse recurso. Crescimento desordenado populacional, uso da terra sem distribuição equitativa, poluição do ar, da terra e da água, perda de biodiversidade, aumento de doenças, sobrecarga em hospitais e escolas públicas e retorno de problemas relacionados à degradação ambiental estão entre alguns dos problemas associados ao desenvolvimento que não considera os valores naturais e humanos de uma região. Dramas sociais, como drogadição, violência contra crianças e adolescentes e contra muitos grupos minoritários da sociedade, são outros desses problemas.
As agressões, impactos, ameaças à saúde e à vida humana e a toda a fauna e flora locais precisam ser previstos, avaliados e apresentados de maneira clara à sociedade quando se discute desenvolvimento de novos empreendimentos e atividades regionais. Afinal, a sociedade precisa, conscientemente, poder “colocar na balança” aquilo de que está abrindo mão em detrimento do desenvolvimento econômico proposto. A escolha tem de ser feita com enfoque coletivo e considerar ganhos e perdas em curto e longo prazos para os indivíduos, para a comunidade e para todos os que habitam e dependem do território litorâneo.
O que a sociedade precisa é de que Pontal do Paraná seja atendido por uma ampla e bela rodovia
Para essa tomada de decisão, a avaliação de durabilidade dos ganhos precisa ser incluída como fator de análise. Esses temas vêm à tona, por exemplo, quando se considera a situação de Pontal do Paraná, no litoral do estado. O recente fechamento da Techint – empresa de grande porte que trouxe empregos e desenvolvimento do comércio local durante suas atividades, mas sem agregar desenvolvimento social e ambiental de perspectivas de longo prazo – demonstra, como consequência, o sentimento na comunidade local de vazio e potencial desestruturação das condições econômicas de desenvolvimento regional. A situação expõe a comunidade local ao medo das perdas e a dificuldades e restrições sociais e econômicas, impondo um momento de aceitação a qualquer proposição de “salvamento” ou “redução desse risco”.
Neste momento complexo, em que existe a iminência de instalação de um porto privado no mesmo município, em frente à Ilha do Mel, a comunidade local e a sociedade de maneira geral percebem como uma oportunidade a transformação de seu território em uma espécie de “nova Paranaguá”, atraindo a construção de um porto e de um complexo de indústrias atreladas em sua orla.
Esperar que a alternativa de segurança econômica e social venha por meio de grandes empreendimentos parece mais viável e simples, mas traz incontáveis problemas, como os citados acima. Para o litoral do Paraná, considerando sua condição natural, significa, ainda, interrupção e redução do desenvolvimento de atividades dependentes de recursos naturais e qualidade ecossistêmica. É fundamental lembrar que nenhuma atividade dependente de recursos naturais será compatível com empreendimentos de grande porte que não ofereçam zoneamento apropriado e ordenamento de atividades.
O dilema poderia até parecer mais simples de ser resolvido se, dentro de um contexto de visão convencional – que relaciona atividades industriais e portuárias a um modelo de desenvolvimento adequado e que apenas traz vantagens a poucos interessados em lucrar com a iniciativa –, não fosse o que vem predominando nesse cenário. A questão é complexa e depende de uma integração de atores comprometidos com o futuro desse território, da qualidade e saúde dessa região e de sua população.
Um estudo chamado Plano de Desenvolvimento Sustentável para o litoral foi contratado pelo poder público para dar direção às melhores opções de desenvolvimento em cada um dos sete municípios da região costeira paranaense. O resultado desse estudo, ainda não divulgado, é um importante passo responsável para avaliação de cenários futuros. Espera-se que ele apresente indicações coerentes e comprometidas com o bem comum. A decisão de transformar Pontal do Paraná em uma área industrial e portuária não pode ser definida pelo governo do Paraná sem um maior debate com a população. É preciso que pressões sejam claramente identificadas, e vantagens e desvantagens à população local, trazidas à público.
VEJA TAMBÉM:
- Pontal do Paraná quer escrever sua própria história (artigo de Ricardo Aguiar, publicado em 2 de agosto de 2018)
- Uma resposta para o futuro de Pontal do Paraná (artigo de José Richa Filho, publicado em 23 de janeiro de 2017)
- Uma “estrada da vida” pelo desenvolvimento de Pontal do Paraná (artigo de Eduardo Ratton, publicado em 4 de abril de 2018)
Espera-se, no entanto, que com o estudo fique evidenciado que o turismo, cujo potencial no litoral do Paraná é singular, é o melhor caminho para receber investimentos estaduais. Também espera-se que o Plano de Desenvolvimento Sustentável seja capaz de demonstrar o quanto as estruturas portuárias de Paranaguá são mais que suficientes para amparar todas as demandas das próximas décadas de exportação e importação requeridas.
O desejo de um futuro promissor para Pontal do Paraná está separado em duas visões opostas: uma, que entrega o município para uma condição tradicional de desenvolvimento, gerando grandes impactos e atraindo contingentes de forma descontrolada em busca de oportunidades. Outra, que enxerga a necessidade de estratégias mais elaboradas, nas quais os atrativos naturais e paisagísticos da região, uma vez bem trabalhados, são vertedouros de atração de investimentos, geradores de riquezas, bem-estar e de empregos de qualidade.
Pontal do Paraná e os demais municípios com dotação para o turismo precisam receber atenção e investimentos consistentes com suas qualificações, e não apenas placebos que antecipam o período de férias. O que a sociedade precisa é de que Pontal do Paraná seja atendido por uma ampla e bela rodovia para incrementar e valorizar o turismo local, amplificando as opções e atrativos, com a Ilha do Mel, Ilha das Peças, Superagui e os parques associados no seu entorno, como o Parque Estadual da Ilha do Mel e o Parque Nacional da Ilha dos Currais. E que a demagogia que pretende espalhar sem necessidade a degradação da natureza e a criação de polos de concentração populacional e de indústrias pesadas fique para trás.
Um bom exercício para saber se o novo governo do Paraná se assemelha aos anteriores ou representa pouco mais do mesmo é questioná-lo sobre qual é o seu entendimento sobre os impactos em saúde e manutenção de qualidade de vida para a comunidade litorânea do estado. Ou se a promessa de inovação, protagonismo e modernidade é apenas factoide. Com a palavra, o governador.
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação.