| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O artigo “A perigosa atualidade da pergunta de Garrett”, do professor Ramon Blanco, cita uma obra que tenho em casa, embora não tenha completado sua leitura. Curiosamente, além desse livro de Garrett, encontrei também menção a O Capital no século 21, de Thomas Piketty, que li e sobre a qual fiz uma resenha bem abrangente.

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A questão de Garrett que mereceu a análise do professor Blanco foi a seguinte: “E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico”. Noto que essa pergunta foi formulada em uma época – primeira metade do século 19 – em que a aquisição de riquezas ainda era feita especialmente sob a forma de conquistas territoriais ou sob a forma da pilhagem de recursos naturais, especialmente nas colônias, onde imperava também o trabalho escravo. Garrett admitia, ainda, que o fenômeno do enriquecimento pressupunha a condenação de outros à miséria, à exploração do trabalhador, à sua penúria, dentre outros padecimentos.

Não se pode naturalmente querer de Garrett uma compreensão precisa da economia, inclusive porque o entendimento dessa jovem disciplina estava ainda em formação, e era outro o ofício daquele autor. Até Karl Marx, que dedicou longos anos à análise econômica, cometeu tantos erros que seu diagnóstico – como seus prognósticos – se revelaram equivocados.

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O enriquecimento dos bilionários não está empobrecendo outros; está proporcionando justamente o contrário

Passada aquela fase, a economia, como um sistema social, evoluiu com a sociedade. Se não era nítido nas eras anteriores, depois ficou evidente que o enriquecimento não se processa por meio da tomada da riqueza de um por parte de outro, mas pela criação compartilhada das riquezas, cujos numerosos agentes não são antagônicos, mas solidários no processo produtivo. E as discrepâncias de renda resultantes são consequência das diferentes proporções de riqueza que cada um dos agentes cria.

Diz mais o artigo: “Desde 2015, o 1% mais rico do planeta possui mais riqueza do que 50% da população mundial”. É claro que a ideia de Piketty – da tributação progressiva das rendas (e das grandes heranças e grandes patrimônios) – faz todo o sentido. Mas convém observar que o enriquecimento dos milionários ou dos bilionários não está empobrecendo outros; está proporcionando justamente o contrário. Os parceiros desses grandes ganhadores são também ganhadores, conforme a capacidade de cada um deles de produzir riqueza, mais o consequente efeito multiplicador gerado por todos eles.

O professor disse também “que na presente estrutura a produção de riqueza está longe de ser completamente dissociada da manutenção da pobreza”. Bem, a pobreza é o fenômeno econômico que mais restringe a estrutura de produção, pois a penúria significa menos agentes econômicos, menos consumidores e, consequentemente, menos oportunidade de se ter mais produção, mais riqueza, mais rendas. Há efetivamente uma grave lacuna no sistema produtivo, mas esse descompasso parece resultar da falta de capitalismo, da falta de poupança seguida de investimentos; e o pior é que muitas políticas públicas costumam constranger ainda mais os sistemas de produção.

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Há uma invencível tendência a se atribuir ao capitalismo todas as mazelas do mundo, quando é justamente o contrário. É a economia, o mercado, o capitalismo que não só criam todas as riquezas, como também são o sistema que paga tudo. Não existe financiamento de programas sociais se não houver antes a arrecadação paga pelos agentes econômicos – pelos capitalistas.

José Assis Simões Utsch é economista.