Prezado leitor: você é um bom contribuinte? Suas contas com o governo estão em dia e, sempre que pode, antecipa o pagamento para ter direito a um justo desconto? Então, você se sente bem porque sua parcela de impostos ajuda na construção de um país melhor, apesar das distorções do sistema tributário que nos rege.
Um dia, chegando ao condomínio em que mora, encontra um vizinho regozijando-se por não pagar impostos. E o que mais incomoda você é quando ele diz que aguarda um Refis. Garante que paga, sim, aquilo que deve, porém mediante um gordo desconto.
A partir daí você fica com a leve impressão de que também deveria ter sonegado. Claro: se para o bom contribuinte não há vantagem alguma, para o sonegador existe um rol de facilidades.
Uma delas é o Refis. Ao reabri-lo, agora em novembro, o governo federal dá tratamento desigual para os contribuintes, só que amplamente favorável a quem fere a lei. Daí porque o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) denuncia, há muito tempo, que o programa é injusto.
Em 30 de outubro, foi aprovada no Senado a Medida Provisória 651. Entre outras coisas, prevê novo programa de recuperação de créditos tributários e dá mais uma chance às empresas que não aderiram ao "Refis da Copa" (cujo prazo fechou em 25 de agosto). Entrará em vigor 15 dias depois de a presidente Dilma Rousseff sancionar o texto da MP.
Não bastasse ser uma mudança das regras com o jogo em andamento, a recuperação de créditos ascendeu ao status de instrumento de política econômica. Essa, que foi gestada para ser aberta poucos dias depois do segundo turno da eleição presidencial, servirá para o fechamento das contas da União em 2014.
E nada é tão ruim que não possa piorar. Em 20 de setembro, foi noticiado que o texto da MP aprovado na Câmara recebeu emenda que diminui o porcentual a ser pago pelo devedor. No caso de débitos de até R$ 1 milhão, caiu de 10% para 5% da dívida. Segundo porta-vozes da equipe econômica, estima-se que a ampliação da receita proporcionada pelo Refis vá de R$ 12,5 bilhões para R$ 15 bilhões. Mas não há garantias para esse resultado.
O programa de recuperação de créditos é um equívoco. Prova disso é que, em 29 de outubro, a imprensa publicou que o "Refis da Copa" levantou aproximadamente R$ 1,6 bilhão, decepcionando o governo federal, que calculava R$ 2,2 bilhões entrando no caixa.
E o Refis também é um prejuízo para a atuação da Receita Federal. Vai na contramão dos princípios básicos da administração tributária, pois diminui a percepção de risco do contribuinte, incentiva a sonegação e apequena o poder do Estado. Tudo isso num quadro de redução da quantidade de auditores fiscais cuja média de idade hoje ultrapassa os 50 anos, sem contar que anualmente se aposentam algo em torno de 600 deles (o mais recente concurso autorizado pelo Ministério do Planejamento abriu menos de 300 vagas). Então, é fácil perceber quem ganha e quem perde.
O Refis e o enfraquecimento paulatino da categoria serão motivo de ampla discussão no Congresso Nacional dos Auditores Fiscais (Conaf), de 17 a 21 próximos, em Foz do Iguaçu.
Assim, é o caso de perguntar: você, prezado leitor, sente-se confortável em ser cumpridor das suas obrigações, enquanto outros são beneficiados justamente por não levá-las tão a sério?
Cláudio Damasceno é presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional)
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