Desde ao menos duas décadas, o Brasil passa por um violento processo de aparelhamento ideológico do Estado, processo esse que acabou por respingar no Judiciário. Uma das reações (tardia, diga-se de passagem) a tal sanha ideológica foi a aprovação da chamada “PEC da Bengala”, transformada em Emenda Constitucional 88, que, aumentando a idade de aposentadoria dos ministros dos tribunais superiores, visou diminuir o poder de fogo do partido então governante de indicar novos ministros.
De lá para cá, a percepção da sociedade brasileira acerca da ideologização do STF se acentuou. Quem acompanha o debate nas redes sociais vê claramente que uma parte considerável do povo brasileiro entende que o Supremo é antes parte do problema que da solução. O anseio popular de que a corte retome seu caminho histórico de fiel da balança nas grandes questões nacionais é dos mais agudos e, ironicamente, a “PEC da Bengala”, agora, se coloca como obstáculo à correção de rumos desejada por essa parcela da população.
O anseio popular de que a corte retome seu caminho histórico de fiel da balança nas grandes questões nacionais é dos mais agudos
Isso porque o atual presidente da República (que, lembremos, é quem detém a prerrogativa de apontar nomes para o STF) foi eleito tendo como uma de suas maiores promessas justamente o desaparelhamento ideológico do Estado, o que passa necessariamente pelo STF, razão pela qual, para uma grande parte do eleitorado de Jair Bolsonaro, quanto mais ministros do Supremo ele puder indicar, melhor. A EC 88 limita a possibilidade de nomeação nos próximos quatro anos a duas, salvo situações extraordinárias de morte, de renúncia ou – vá lá – de impeachment de um dos atuais ministros. Caso uma nova PEC seja aprovada, retornando a aposentadoria compulsória para os 70 anos, o atual presidente poderá nomear até quatro novos membros. Em uma corte formada por 11 supermagistrados, a possibilidade de nomear quatro deles representa uma alteração profunda no próprio perfil do Supremo. No fundo, portanto, é isso o que está em jogo quando se discute a aprovação de uma nova PEC que substitua a EC 88.
É certo que emendas constitucionais ad hoc não é coisa saudável. Nenhuma sociedade pode viver em tranquilidade com constantes alterações das regras do jogo, especialmente se tais alterações miram questões específicas. Porém, às vezes, movimentos dramáticos são necessários. A “PEC da Bengala” foi um destes movimentos e evitou a possibilidade de “bolivarianização do STF” (termo esse utilizado pelo ministro Gilmar Mendes em uma entrevista em 2015). E, agora, um novo movimento dramático em sentido contrário se faz necessário.
O remédio do passado subitamente tornou-se um entrave à saúde do paciente no presente. E deixar de aplicá-lo torna-se, assim, uma forma de acelerar a convalescência.
É certo que uma emenda constitucional não é coisa que se aprova facilmente, visto que seu processo legislativo é dos mais complexos. Porém, o mesmo sentimento popular que acabou impulsionando a aprovação da “PEC da Bengala” está vivo e pressiona, agora, por sua revogação. O povo brasileiro, nas últimas eleições, já demonstrou seu desejo de que haja um desaparelhamento ideológico completo dos três poderes, e os atuais congressistas devem estar atentos a esse ponto. Caso não estejam, correm o risco de serem eles próprios, nas eleições de 2022, os rejeitados por um eleitorado que não viu neles a coragem necessária de fazer o que deles se exige nesse momento histórico.
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