Passei o réveillon de 2010 no alto do Corcovado, aos pés do Cristo Redentor. A missa da meia-noite, emocionante, foi seguida pela bênção com o Santíssimo. Dom Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, com o ostensório nas mãos, abençoou os quatro pontos cardeais da Cidade Maravilhosa. Lá embaixo, um balé de fogos de artifício. Um espetáculo inesquecível.
É uma tristeza, quase um sacrilégio, a violência que ensombrece essa cidade. Vive-se um clima de guerra civil. A chegada das forças federais é um reflexo da gravidade da situação. Segurança pública não é função dos militares. Agora, qual é a alternativa no curto prazo? Os números da violência são próprios de regiões conflagradas.
Impõe-se um duro combate ao ingresso de armas e drogas no território brasileiro. A Baía de Guanabara é uma peneira e nossas fronteiras são avenidas abertas ao livre trânsito do crime organizado. Sem uma operação conjunta das Forças Armadas e da Polícia Federal, apoiadas em modernos sistemas de inteligência, aramos no mar.
A crise do Rio não é de agora. O vírus antissocial já estava incubado nos mandatos de governos populistas
Desgoverno e exclusão social estão na raiz do drama carioca. A crise do Rio não é de agora. O vírus antissocial já estava incubado nos mandatos de governos populistas. A patologia foi sendo alimentada pela corrupção, pela incompetência administrativa e pelo crescente descaso com o interesse público que, há décadas, castigam o Rio.
O problema da segurança pública é gravíssimo. E não será resolvido com curativos e analgésicos. É preciso lancetar o abscesso, raspá-lo, limpá-lo. É necessário chegar às raízes da doença. Só assim os homens de bem que compõem as fileiras das policias não serão confundidos com marginais e psicopatas. O assustador crescimento da criminalidade é a ponta do iceberg de uma distorção mais profunda: a frequente falta de critérios de seleção para o ingresso nos quadros policiais, os baixos soldos e o sucateamento dos equipamentos.
A exclusão social está no cerne do problema. O tráfico nas favelas ocupa, frequentemente, o vazio deixado pela inoperância do Estado. É a ele, e não aos governos omissos, corruptos e incompetentes, que os moradores recorrem nos seus momentos difíceis. À semelhança de Vito Corleone, o mafioso magistralmente interpretado por Marlon Brando no filme O Poderoso Chefão, o líder do tráfico é a encarnação tupiniquim do chefão que substitui o governante. É triste, mas é assim.
Na verdade, a crescente violência exige uma harmoniosa combinação de firmeza repressiva e perseverante aposta na recuperação. É preciso enfrentar no curto prazo o problema da delinquência. Não bastam declarações demagógicas das autoridades. Espera-se que os discursos sejam corroborados com obras efetivas.
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Mas, se a repressão é incontornável, a recuperação deve ser a grande aposta que todos nós, governo e sociedade, devemos fazer. Precisamos acreditar no lado bom das pessoas. A recuperação é possível e está ocorrendo. Nós, jornalistas, damos excessivo destaque aos picos da criminalidade, mas não registramos os bons resultados que têm sido alcançados por inúmeras entidades e organizações não governamentais (ONGs). Discretamente e sem qualquer ajuda dos governos, heróis anônimos, inúmeros, fazem mais pela paz do que toda a burocracia do Estado.
Conheço algumas iniciativas sérias no campo da recuperação de dependentes químicos. O Horto de Deus, por exemplo, faz um trabalho de grande alcance social. Trata-se de uma comunidade terapêutica, sem muros, sem grades e com elevado índice de recuperação. Os internos estão lá voluntariamente. Aliás, o desejo de deixar as drogas é o pré-requisito para ingressar na entidade. As internações compulsórias, em clínicas caras e sofisticadas, frequentemente acabam na amargura da recaída. Falta o essencial: querer. Lá, depois de terem descido todos os degraus da miséria material e moral, reencontram a chispa da esperança.
Nós, jornalistas, precisamos mostrar a luz no fim do túnel. Vamos, todos, com trabalho e solidariedade, salvar a cidade do Rio de Janeiro.