A tão falada “crise de governabilidade”, antes de um sintoma deletério da democracia, marca uma grave e aberta decadência institucional da República. Objetivamente, o Executivo não governa, o Legislativo não vota matérias fundamentais ao desenvolvimento do país, e o Judiciário patina no atoleiro invencível da morosidade processual. Ou seja, as instituições perderam responsividade e aderência prática, distanciando-se das urgentes necessidades da sociedade contemporânea. Órfãos de amparo governamental competente, os cidadãos passam, então, a duvidar das possibilidades da democracia, abrindo o flanco para milagrosas soluções estúpidas de consequências políticas catastróficas.
Sim, quando a República desce, o ideal democrático se apequena. E não há republicanismo alto sem líderes políticos de envergadura que, por sua honra e coragem, iluminam o caminho do progresso civilizatório, mesmo nas horas de maior escuridão.
Infelizmente, vivemos um tempo de lideranças opacas. A cada ciclo eleitoral, vamos empilhando políticos em série que, apesar de boas intenções pessoais, pouco ou nada conseguem fazer para reverter a curva descendente em curso. No redemoinho dos acontecimentos, a crença pública na democracia vai evaporando, levando consigo a esperança intrínseca do poder transformador do voto. Não à toa que, no crepúsculo das virtudes, vê-se o ressurgir do extremismo estúpido como suposta solução aos descaminhos da democracia.
Ora, é lição antiga que não é trocando ofensas que resolvemos problemas complexos. Aliás, a complexidade do mundo é tão profunda que muitas das questões nacionais internas têm causas e concausas externas, exigindo uma especial capacidade de composição de interesses plurais no intrincado tabuleiro do poder global. Portanto, em vez de rompantes infantis, precisamos do equilíbrio da sabedoria superior. E equilíbrio requer bom senso, razoabilidade e decidida vontade de contribuir positivamente para o bem do Brasil, impactando, com tato e perícia, hábitos políticos e sistemas institucionais vencidos, disfuncionais ou anacrônicos.
Para tanto, precisamos resgatar a capacidade de debatermos com franqueza e verticalidade as ideias e medidas necessárias ao resgate da credibilidade das instituições. Democracia não é uma vazia promessa de liberdade política, mas um compromisso concreto de realização e entrega de melhorias econômicas, políticas e sociais às pessoas. Mas não basta apenas prometer; é preciso honrar a palavra empenhada nas campanhas eleitorais, fazendo da política um meio efetivo e visível de concretização democrática.
Sem cortinas, na atual sociedade em redes, o cidadão não mais aceita ser enganado em ingênuo silêncio inocente. Constatada a mentira política, vozes difusas instantaneamente se levantam num tom de enérgica reprovação, fazendo ecoar uma insatisfação incandescente que, em instantes, é capaz de fazer tremer a frágil estabilidade posta. Tal instabilidade orgânica da democracia moderna coloca ainda mais pressão sobre as já combalidas instituições republicanas que, incapazes de respostas rápidas, aprofundam o grau de tensionamento político-social.
Vivemos um momento crítico. As insuficiências do sistema corrente são flagrantes e incontornáveis. A velha estratégia de cansar o povo com o simples recurso ao tempo não funciona mais. As redes deram voz aos invisíveis, tornando as crises políticas em variáveis diárias da democracia. E o mais impressionante: fatos aparentemente insignificantes podem ocasionar reações gigantescas de ampla repercussão coletiva e de alto impacto transformador, especialmente em países com institucionalidade retardatária à frenética dinâmica dos acontecimentos políticos.
Por tudo, no entrechoque de vozes desencontradas, os órfãos da República ainda esperam por seus verdadeiros líderes. Decididamente, a gravidade da situação não permite omissões ou escusas, pois é o futuro da democracia brasileira que está em jogo.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.