• Carregando...

Após 17 anos, foi julgada a ação direta de inconstitucionalidade contra a lei federal das organizações sociais. Por ampla maioria, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o Estado brasileiro tem o dever de garantir a todos a prestação dos serviços públicos sociais, mas não tem o dever de executar diretamente todos esses serviços, podendo celebrar parcerias com entidades do terceiro setor.

A terceirização de serviços por organizações sociais não promoverá o desmonte do Estado

O modelo atestado pelo STF funciona assim: entidades privadas que preenchem requisitos previstos em lei recebem uma qualificação da administração pública (qualificação de organização social); com isso, elas podem participar de processos seletivos públicos e, se vitoriosas, celebram uma parceria formalizada por meio de um contrato de gestão, através da qual recebem recursos para gerir uma estrutura pública e prestar um serviço de natureza social. Além da União, estados e municípios também podem adotar o modelo, desde que editem leis próprias sobre o tema.

Pode-se dizer que essa é uma modalidade de terceirização em que o serviço, a estrutura e os bens envolvidos continuam públicos; o que muda é a organização interna da atividade, que deixa de ser realizada por servidores públicos regidos por normas de direito público. Essa é a principal justificativa para a adoção do modelo: a necessidade de maior capacidade gerencial para administrar estruturas organizacionais complexas, caras e que demandam flexibilidade e agilidade na solução de problemas.

Deve-se atentar, contudo, que essa forma de gestão privada possui limites. Como bem pontuou o STF, ainda que seja desobrigada de realizar licitação e concurso público, a organização social deve obedecer aos princípios constitucionais da administração pública, seguir um regulamento próprio para aquisição de bens e serviços, ter órgãos de controle interno de suas atividades e adotar mecanismos que garantam transparência na gestão dos recursos. Além disso, a entidade deve prestar contas tanto ao poder público parceiro quanto ao Tribunal de Contas e, por óbvio, deve respeitar a legislação trabalhista e tributária.

Observados esses limites, a terceirização de serviços por organizações sociais não promoverá o desmonte do Estado, a precarização das relações de trabalho, a diminuição da qualidade dos serviços prestados ou o desvio de recursos públicos. Pelo contrário, a celebração de parcerias fortalecerá o Estado em sua capacidade de garantir a devida prestação de serviços sociais de alta relevância e complexidade.

Muito utilizado no exterior, esse modelo de gestão foi adotado no Brasil há quase duas décadas por governos de todas as cores partidárias, como PT, PSDB, PMDB e PCdoB. Há resultados positivos e há equívocos a serem corrigidos. Com a decisão do STF, o protagonismo volta ao Poder Legislativo, que precisa disciplinar algumas questões ainda nebulosas na operacionalização das parcerias, tais como: a especificação das áreas passíveis de terceirização, a metodologia de controle pelos Tribunais de Contas, o prazo contratual e as garantias oferecidas pelo poder público para cumprimento do contrato.

A decisão do STF configura importante passo no processo de construção e amadurecimento de instituições públicas capazes de atender às demandas sociais. Se do ponto de vista constitucional a questão foi resolvida, o sucesso do modelo ainda depende de avanços em sua operacionalização. Mãos à obra.

Fernando Borges Mânica, advogado e consultor, é doutor em Direito pela USP e coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Positivo.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]