A gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) um sistema estabelecido em nossa Constituição como universal (com acesso a todos os brasileiros) e integral (de aplicação de vacinas a transplante de órgãos), é um grande desafio. A mera delegação a organizações sociais (OS) ou a outras instituições privadas por si só não resolve o problema de gestão ou de gerência de hospitais ou unidades de saúde públicas.
O modelo das organizações sociais tem sido bastante utilizado na área de saúde, há mais de dez anos, no estado de São Paulo. Recentemente, foi aprovada lei estadual paulista que autoriza delegar a organizações sociais em todos os hospitais públicos estaduais, ou seja, haverá uma ampliação desse modelo. As OS também são utilizadas no município de São Paulo na gerência de hospitais e unidades básicas de saúde. Recentemente, o estado de Pernambuco também passou a adotar essa estratégia. É preciso analisar com atenção esse modelo, antes que seja aceito como a solução para o problema da gestão da saúde pública e implementado em todo o Brasil.
A organização social foi criada por lei federal de 1998 e depois por algumas leis estaduais e municipais. É uma instituição privada, sem fins lucrativos e faz parte do modelo gerencial de administração pública. A abordagem gerencial busca mais eficiência e flexibilidade para superar problemas e disfunções do modelo burocrático: apego excessivo a regras, ênfase nos meios e a ineficiência. Entretanto, havendo menor controle na gestão do dinheiro público, há risco de reincremento do patrimonialismo, ou seja, privilégios, corrupção e clientelismo com recursos públicos. Não há necessidade de licitação para a escolha de dessa organização, e esta não precisa se submeter aos controles clássicos da administração pública, apesar de, muitas vezes, gerirem basicamente recursos públicos.
Pela dimensão da delegação de serviços para as OS, a administração pública precisa ter grande capacidade regulatória para avaliar, fiscalizar e controlar a sua atuação. Para isso, necessita ter um corpo técnico qualificado de servidores em número significativo. Caso isso não ocorra, corre o risco de se tornar refém e dependente dos parceiros, além de não deter informação de qualidade sobre a prestação dos serviços. Não havendo uma adequada regulação do poder público, uma organização privada não fará melhor que a administração pública, podendo inclusive ser mais ineficiente.
A delegação de hospitais públicos a OS, apesar de o termo ser evitado por gestores públicos de saúde, pode ser considerada uma espécie de terceirização. Em qualquer manual básico do tema, recomenda-se terceirizar a outras entidades o acessório, mantendo-se a atividade principal na própria organização. Isso evitaria a perda de "expertise". E esse é o risco que parece estar correndo o governo de São Paulo, e mais recentemente a Secretaria Municipal de Saúde da capital paulista.
O SUS é um sistema que a nossa Constituição estabelece como universal e integral, e sua gestão não é tarefa fácil. A gerência de hospitais, públicos ou privados, também apresenta dificuldades, pois são organizações complexas. A parceria com instituições privadas no SUS, na verdade, não é grande novidade, pode ser positiva ou negativa, dependendo dos parceiros e da administração pública. Já acontecia com instituições, geralmente sem fins lucrativos, através dos tradicionais convênios. O mero repasse a organizações privadas não soluciona o problema de gestão do SUS. Continua sendo fundamental, e até mais importante, o papel do Estado na efetiva regulação e avaliação dos serviços de saúde. Somente assim essas parcerias contribuirão para maior eficiência e eficácia em nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Christian Mendez Alcantara, cirurgião-dentista e advogado, pós-doutor em Gestão Pública, é professor do Setor de Ensino Profissional e Tecnológico da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
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