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A parceria com uma OS pode fazer com que sejam respeitados direitos, até o momento ignorados, e sejam materializados serviços que são hoje mal prestados ou inexistentes

O tumultuado processo de aprovação do projeto de lei paranaense das Organizações Sociais (OSs) trouxe para muitas pessoas a sensação de que tal lei promove verdadeira e ilegítima privatização do Estado. Mas essa sensação decorre da "forma" como a lei foi aprovada ou de seu "conteúdo"?

De início, insta ressaltar que a Constituição brasileira é pródiga na previsão de direitos aos cidadãos e na imposição de deveres ao Estado, muitos dos quais até o momento não foram materializados. Qual foi a última vez que você precisou de um serviço social do Estado? Você foi atendido de modo rápido, eficiente e satisfatório?

É ingenuidade imaginar que as OSs sejam panaceia para todas as falhas de atuação do Estado na ordem social. Mas, também, é ingenuidade pensar que uma estrutura pública integrada possa ser imune a desvios, ineficiência, apadrinhamento e corrupção. Não é porque aviões são usados em guerras e ataques terroristas que devemos deixar de usá-los como meio de transporte em determinados casos. Até porque os corruptos não precisam das OSs para desviar recursos. Eles já têm o Estado e fazem isso diariamente com cargos em comissão, com "funcionários fantasmas", com a lei de licitações, com os convênios e por aí vai.

Nesse prisma, o terceiro setor deve atuar em áreas nas quais o Estado não atua ou não possui condições de atuar de modo satisfatório. A parceria com uma OS pode fazer com que sejam respeitados direitos, até o momento ignorados, e sejam materializados serviços que são hoje mal prestados ou inexistentes. Os melhores hospitais brasileiros são privados. E a maioria sem fins lucrativos. Por que não aproveitar seu know-how e fazer com que seus serviços sejam ofertados adequadamente a todos os brasileiros e não apenas à parcela da população mais aquinhoada?

A contratualização permite maior transparência, melhor controle e a possibilidade de comparação entre as atividades, os resultados e os custos de várias entidades que atuam na mesma área. Favorece a profissionalização, agilidade, flexibilidade, cobrança e responsabilização em caso de desvios, de modo muito mais incisivo do que ocorre em entidades públicas e em entidades privadas conveniadas. Não obstante, uma parceria com uma OS deve apenas ser celebrada nos casos em que, justificadamente, a participação privada ofereça tais vantagens. Por isso, a decisão pela parceria deve ser motivada e toda a execução do contrato deve ser transparente, sob pena de nulidade.

Ressalte-se que a Lei das OSs não vai mudar a realidade. O que pode mudá-la são as parcerias a serem celebradas. Que cada uma delas seja objeto de discussão pelo governo do estado, pelos detratores das OSs e, especialmente, pela sociedade civil organizada, que quer ver o direito de todos garantido acima de interesses egoísticos, ideológicos, fisiológicos ou partidários; por meio de serviços prestados com honestidade, transparência e eficiência.

Para que isso aconteça, outra parcela de entidades deve ganhar corpo no Brasil. Tratam-se das organizações não-governamentais (ONGs), que têm como foco a fiscalização do Estado e de suas parcerias. Junto de instituições como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, o terceiro setor tem o dever de colaborar com a Administração Pública também na fiscalização dos serviços sob sua responsabilidade. Com o olhar atento da sociedade organizada e dos órgãos oficiais de controle, as OSs podem servir como poderoso instrumento de garantia de direitos sociais que, até hoje, são desrespeitados. Sem esse olhar coletivo, entretanto, as OSs poderão ser usadas para destruir edifícios e fazer implodir o regime jurídico que busca evitar utilização de recursos públicos para satisfazer interesses privados.

Sabe-se que o Estado é um mau prestador e um péssimo fiscalizador de serviços. Que a sociedade civil organizada o auxilie também em sua tarefa de fiscalização, por meio da realização de audiências públicas antes, durante e depois da celebração de parcerias com as OSs.

Com a participação ativa da sociedade organizada em um canal institucional e sob os holofotes da imprensa, o governo terá oportunidade de explicar e discutir detalhadamente os motivos pelos quais a gestão de uma atividade será (ou não) realizada por uma OS. Sem isso, a "forma" influenciará o "conteúdo" das parcerias, fazendo permanecer viva a sensação de que elas servem a interesses outros que não os dos cidadãos paranaenses.

Fernando Borges Mânica, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), é professor titular de Direito Administrativo da Universidade Positivo e professor de Direito Municipal da Universidade Tuiuti do Paraná. Também é membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná (OAB-PR).

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