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O Oriente Médio é uma das regiões mais complexas e voláteis do mundo, marcada por intensos conflitos que refletem uma intersecção de fatores geopolíticos, históricos e econômicos. Uma das razões principais para a instabilidade na região é sua importância estratégica em recursos naturais, especialmente petróleo e gás natural, o que atrai o interesse das grandes potências desde o início do século XX. Como observa Yergin em The Prize: The Epic Quest for Oil, Money, and Power (1990), o controle das vastas reservas de petróleo no Oriente Médio conferiu a diversos atores internacionais — como os Estados Unidos, a União Soviética (posteriormente Rússia) e outras potências — incentivos para interferir direta ou indiretamente nos assuntos da região, assegurando acesso e controle desses recursos essenciais à economia global.
A fragmentação étnica e religiosa também desempenha um papel crucial. O Oriente Médio abriga uma diversidade de grupos étnicos e religiosos, como árabes, persas, curdos, sunitas, xiitas e cristãos, cuja convivência tem sido historicamente marcada por tensões e rivalidades. Conforme discutido por Bernard Lewis em The Shaping of the Modern Middle East (1994), as fronteiras artificiais traçadas pelas potências coloniais europeias, especialmente após a Primeira Guerra Mundial com o Acordo Sykes-Picot, ignoraram essas complexas divisões étnico-religiosas, impondo estruturas estatais que frequentemente não refletiam a realidade cultural da região. Esses limites artificiais contribuíram para a formação de Estados com identidades fragmentadas, resultando em divisões internas e rivalidades exploradas por governos locais e atores externos.
A fragmentação das alianças não apenas amplia o alcance dos conflitos locais, mas também transforma o Oriente Médio em uma arena de disputa onde as potências projetam poder e influência de forma indireta
O sectarismo, especialmente a divisão entre sunitas e xiitas, também é um dos pilares dos conflitos regionais. A rivalidade entre Arábia Saudita (sunita) e Irã (xiita), por exemplo, envolve uma disputa geopolítica em que ambos os países competem pela preponderância do poder regional e pela expansão de sua influência em países como Síria, Iraque, Iêmen e Líbano. Essa competição foi amplamente analisada por Vali Nasr em The Shia Revival (2006), no qual o autor observa que o conflito sectário é tanto religioso quanto político, envolvendo disputas pela liderança no mundo muçulmano e pelo controle de recursos e rotas estratégicas.
Além disso, há a questão palestino-israelense que estamos observando como outro eixo central de instabilidade. A criação do Estado de Israel em 1948 e os subsequentes conflitos com países árabes vizinhos geraram tensões prolongadas e uma série de guerras, deslocamentos populacionais e disputas territoriais. Esse conflito é um símbolo de luta e identidade tanto para palestinos quanto para israelenses, e as tentativas de resolução — como o processo de paz de Oslo e a Iniciativa de Paz Árabe — têm sido dificultadas por questões de segurança, identidade e reconhecimento, conforme argumenta Said em The Question of Palestine (1979). A posição dos Estados Unidos como aliado próximo de Israel e o apoio de potências regionais aos palestinos tornam o conflito um ponto central nas relações de poder no Oriente Médio.
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Mais do que isso, o apoio dos EUA e da União Europeia a Israel está fundamentado em interesses históricos e estratégicos, incluindo a estabilidade de um aliado de longa data em uma região de importância geopolítica crítica. Por outro lado, a Rússia, que apoia a Palestina e grupos como o Hamas, busca fortalecer sua presença regional e expandir sua esfera de influência, aliando-se ao Irã, que também se opõe ao Ocidente no Oriente Médio (Golan, Russia and the Western Powers in the Post-Cold War World, 2001). A fragmentação das alianças não apenas amplia o alcance dos conflitos locais, mas também transforma o Oriente Médio em uma arena de disputa onde as potências projetam poder e influência de forma indireta, utilizando atores locais para promover seus interesses.
A presença de aliados ambíguos, como China e Índia, contribui para o cenário incerto no Oriente Médio. Ambos os países mantêm uma postura de "neutralidade estratégica" ou "não alinhamento pragmático", evitando alianças formais diretas com qualquer um dos blocos, mas mantendo seus interesses comerciais e energéticos na região (Buzan e Foot, Does China Matter? A Reassessment, 2004). Esse posicionamento permite que os conflitos regionais escalem sem uma intervenção direta das potências asiáticas, que preferem influenciar por meio de vias diplomáticas e econômicas, sem envolvimento militar direto.
O Oriente Médio atual, portanto, reflete as rivalidades globais, onde conflitos locais ganham proporções internacionais devido ao apoio financeiro, logístico e militar das grandes potências. Esse cenário de guerra por procuração permite que essas potências influenciem sem envolvimento direto, explorando disputas locais para reforçar ou desafiar a ordem internacional vigente, como também ocorria na Guerra Fria (Hinnebusch, The International Politics of the Middle East, 2003). Dessa forma, a fragmentação global intensifica a complexidade dos conflitos no Oriente Médio, agravando a instabilidade regional e dificultando uma resolução pacífica, pois cada ator externo possui interesses estratégicos próprios e muitas vezes irreconciliáveis.
João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos