A Bolívia já enfrentou, ao longo de sua história, 194 tentativas de golpe de Estado, entre aquelas bem-sucedidas e as que falharam. Essa história de forte instabilidade e crise política na Bolívia foi interrompida por um curto período de tempo, durante os dois primeiros mandatos do ex-presidente Evo Morales (2006-20014). A partir de então, já no terceiro e ao tentar conseguir um quarto mandato e mudar a Constituição para se perpetuar no poder, Morales contribuiu para desestabilizar a democracia que ajudara a consolidar nos anos áureos de seu governo.
É inegável que o governo de Morales trouxe muitas mudanças positivas para as nacionalidades indígenas e para os pobres, caracterizando-se como um governo nacionalista. A Bolívia, rica em minérios, tinha muitos recursos privatizados que foram nacionalizados sob sua administração. Morales nacionalizou o gás, iniciou a redistribuição de renda e melhorou significativamente o acesso aos serviços públicos, em especial a educação. Essas ações resultaram em grandes melhorias econômicas para o país e para a população mais vulnerável, elevando a popularidade de Morales.
A complexa situação na Bolívia continua a evoluir, refletindo as profundas divisões políticas e os desafios inerentes à reconciliação e à estabilidade
Contudo, com o passar do tempo, Morales se tornou cada vez mais autoritário, buscando governar sem abrir espaço para outras lideranças. Essa postura culminou em uma crise em 2018, levando a um golpe de Estado encabeçado por oligarquias econômicas de Santa Cruz de la Sierra e por policiais militares que depôs Morales, que foi para o México. A opositora Jeanine Áñez assumiu o poder interinamente e, sem o apoio do Congresso, não foi capaz de superar a instabilidade, ela própria acusada de golpista. A situação começou a se estabilizar apenas com a convocação de novas eleições para 2020, permitindo uma competição política justa.
A oposição ao partido de Morales lançou um candidato diferente de Áñez. O MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Morales, lançou Luis Arce, economista e que foi o seu ministro da Fazenda durante todo o seu governo. Arce e o MAS venceram com ampla vantagem, demonstrando a força do MAS e a memória positiva dos anos governados por Morales.
Após um período de exílio na México e na Argentina, Morales retornou em 2020, com Arce presidindo o país. Com o tempo, Morales começou a se reorganizar politicamente. Atualmente, o país se encontra em período pré-eleitoral, onde Arce seria o candidato natural à reeleição. No entanto, Morales também deseja concorrer e tem mobilizado suas bases no partido para disputar as primárias com Arce. O grupo de Arce recusou-se a participar do Congresso convocado por Morales, resultando em acusações de traição.
Essa divisão dentro do partido de Morales provocou protestos e bloqueios de estradas por seus defensores, reintroduzindo a instabilidade política na Bolívia. A oposição, composta pela direita e aliada aos militares, está aproveitando essa situação. A polícia militarizada do país se politizou, sendo um elemento crucial na crise, com o exército intervindo posteriormente. A complexa situação na Bolívia continua a evoluir, refletindo as profundas divisões políticas e os desafios inerentes à reconciliação e à estabilidade em um cenário de mudanças constantes e intensas pressões internas e externas.
Luiz Domingos Costa é mestre em ciência política (Unicamp), com graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Centro Universitário UNINTER.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Ataque de Israel em Beirute deixa ao menos 11 mortos; líder do Hezbollah era alvo