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Os 30 anos do Código de Defesa do Consumidor nos contratos imobiliários

Sede do Procon no shopping Venâncio 2000 no Distrito Federal. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Três décadas de vigência é um bom momento para avaliar os reflexos que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe para a nossa sociedade. E, de pronto, pode-se dizer que, se existem leis que “não pegam”, esse não é o caso do CDC.

Por força do crescimento econômico da época e da dinâmica das relações contratuais, com a oferta massiva de produtos por intermédio de contratos de adesão ou práticas padronizadas, havia a necessidade de se criar regras que regulassem a relação entre consumidor e fornecedor. Em 1990, quando foi promulgado, o CDC tinha como objetivo maior a proteção do consumidor, diante da sua hipossuficiência e vulnerabilidade.

Especificamente em relação à aplicação das regras do CDC aos contratos imobiliários, ao longo destes anos, muitas discussões têm sido submetidas para análise do Poder Judiciário. Em caso emblemático, que envolvia a construtora Encol, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) posicionou-se no sentido de que, independentemente da aplicação das leis que regem o sistema de financiamento da obra, a norma se aplica, vez que presentes os requisitos (construtor/fornecedor, adquirente/consumidor, e existência da oferta de um produto/serviço).

Partindo dessa premissa, as discussões passaram à esfera da relação contratual em si. Com a tese de que a cobrança dos “juros no pé” configuraria desvantagem acentuada para o adquirente/consumidor, a matéria foi submetida para análise do Poder Judiciário. Além de a aquisição do imóvel na planta facilitar o acesso à moradia, muitas vezes é um excelente investimento para o adquirente, uma vez que o preço na planta é bastante inferior ao do imóvel pronto. Considerando, ainda, que todos os riscos são assumidos pelo incorporador na conclusão do empreendimento, e que a compra de regra deveria ser à vista, o STJ entendeu plenamente possível a estipulação dos juros no contrato. Aliás, conforme alerta dos órgãos de defesa do consumidor, com base no próprio CDC, seria injusto que aquele que optasse pela compra parcelada pagasse o mesmo preço da compra à vista.

Apesar de a lei prever que esses contratos são irretratáveis, diante do cenário econômico de inflação na época, muitos adquirentes/consumidores, pretendendo a resolução do contrato, buscaram na Justiça a declaração de nulidade da cláusula que previa a perda das prestações pagas ou, nas hipóteses em que havia essa possibilidade, que a devolução dos valores deveria ser imediata, e não com a conclusão das obras. O STJ entendeu que a cláusula viola as regras do CDC, sendo abusiva. O promitente comprador tem o direito à imediata restituição das parcelas pagas – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Mas, se a desistência é do comprador, como delimitar o porcentual que poderá ser retido pela construtora? Sob a alegação de que o risco da atividade é do construtor, e que ao retornar a unidade para o estoque é possível a revenda, defendiam os adquirentes/consumidores que esse porcentual deveria ser mínimo. Em um dos seus julgados, o STJ definiu que seria de 25% sobre o valor pago, mas a questão não foi pacificada, seguindo a controvérsia por vários anos junto aos tribunais, que em muitos julgados adotavam critérios diferentes.

A edição da Súmula 308 do STJ é outro tema analisado à luz do CDC. Quando a obra é financiada junto a uma instituição financeira, a construtora oferece em hipoteca aos bancos as unidades que serão construídas, que por sua vez são compromissadas à venda aos adquirentes. Muitas vezes, concluída a obra, o ônus se mantém, ou até mesmo, diante da inadimplência da construtora, o banco busca executar a garantia. Diante do prejuízo ao consumidor, e como deve ser cumprido o dever de informar de forma clara e objetiva, o entendimento foi no sentido de que, nestes casos, a hipoteca não tem eficácia em relação ao adquirente.

Com o boom do mercado imobiliário, em razão da escassez de mão de obra qualificada e de insumos, bem como problemas climáticos, e em razão da burocracia junto aos órgãos estatais, as obras começaram a atrasar. Com fundamento na violação ao CDC, diversas ações judiciais foram propostas. No enfrentamento da matéria, foi considerado que a cláusula contratual prevendo o prazo de tolerância não viola o direito do consumidor e, portanto, não é abusiva. Nessas hipóteses, indenizações foram fixadas, porém, em que pese o CDC prever que a reparação do dano deve ser integral, especificamente em relação ao dano moral, o STJ entendeu que nesta hipótese, de regra, ele não está configurado. A cláusula prevendo multa moratória também foi tema de amplo debate, sendo ao final fixado pelo STJ o entendimento de que, se fixada em valor equivalente ao locativo, afasta a cumulação com lucros cessantes (Tema 970); e, se estipulada somente no caso de inadimplemento do adquirente, deverá ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do devedor (Tema 971).

Sob o fundamento de que se configurava uma “venda casada” e que oneraria indevidamente o consumidor, a transferência do pagamento da taxa de corretagem ao comprador dos imóveis adquiridos na planta foi outro tema analisado pela corte superior. Ao fim, entendeu-se pela sua validade, desde que a construtora cumpra o dever de informar, com o destaque do valor da comissão de corretagem (Tema 938).

A lei do distrato, publicada em dezembro de 2018, buscou regulamentar questões que envolvem a aplicação das regras do CDC, submetidas ao Poder Judiciário neste período. Por isso, voltando à discussão do parâmetro a ser utilizado, do porcentual a ser devolvido ao adquirente que desiste da compra do imóvel, com exceção das hipóteses em que se adota para a obra o regime de patrimônio de afetação, fixou-se que a retenção da construtora é de 25% sobre o valor pago, sendo, ainda, possibilitada a dedução na integralidade da comissão de corretagem, e a restituição deve se dar em até 180 dias a partir do desfazimento do contrato. Referida lei prevê, ainda, a plena validade da cláusula de tolerância, estabelecendo quais as penalidades a serem aplicadas no caso de atraso de entrega da obra. Reafirmando o conteúdo do CDC, que em vários dispositivos trata do dever de informar o consumidor, a lei estabeleceu a necessidade da inserção do quadro resumo no contrato, a fim de facilitar a compreensão dos direitos e deveres dos adquirentes.

Diz o ditado que o cliente sempre tem razão, mas, muito embora a promulgação do código vise a defesa do consumidor, como visto em várias oportunidades, quando a aplicação das regras do CDC aos contratos imobiliários foi analisada pelo Poder Judiciário, o que prevaleceu foi a busca pelo equilíbrio contratual entre as partes, sendo afastada a alegação de que existiriam práticas abusivas por parte do construtor/fornecedor.

De fato, o CDC trouxe ao fornecedor a necessidade de se estabelecer uma cultura de respeito ao direito dos consumidores. Há muito a amadurecer e, neste sentido, para a necessária segurança jurídica, a adequada interpretação das regras pelos tribunais assume papel relevante na busca pelo efetivo equilíbrio da relação contratual, a fim de atender, também, a livre iniciativa privada.

Vanessa Lois é advogada especialista em Direito Tributário e Processual Tributário, mestre em Direito Empresarial e membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR.

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