| Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, sétima do Brasil e sexta da República, completa 30 anos este mês, consagrada como a mais legítima e democrática de nossa história. É o grande marco da redemocratização, delimitada pela posse, em 15 de março de 1985, do primeiro presidente civil desde o início do regime militar, em 31 de março de 1964. A Carta pode ser entendida como a expressão legal das Diretas Já, um dos maiores e mais importantes movimentos políticos populares de todos os tempos em nosso país, marcado por uma postura ordeira, pacífica e cívica.

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São inegáveis os avanços relativos aos direitos e deveres individuais e coletivos contidos na Lei Maior. Cabe lembrar que de seus princípios surgiu relevante legislação infraconstitucional, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto da Pessoa com Deficiência e numerosas leis protetoras e garantidoras de direitos das minorias jurídicas, igualdade de gênero, liberdade de expressão, ir e vir e de credo.

Nesses aspectos, nossa Constituição nos alinhou às mais modernas e consolidadas democracias do planeta. No entanto, ela é anacrônica em vários pontos relativos à economia e ao ambiente regulatório. Além disso, seguidas emendas e leis ordinárias desvirtuaram a divisão dos tributos, originalmente mais descentralizada em direção aos estados e municípios, refletindo um pacto federativo mais equilibrado em termos de atribuições e orçamentos. Tal desvirtuamento gera graves problemas fiscais para as unidades federativas.

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Nossa Constituição nos alinhou às mais modernas e consolidadas democracias do planeta

Tais itens normativos negativos, a rigor, já nasceram extemporâneos. Porém, é preciso entender que o conteúdo da Carta refletiu um volume de reivindicações represadas durante mais de duas décadas no regime militar. Todos os segmentos da sociedade queriam ver os seus direitos, exagerados ou não, inscritos na “Constituição Cidadã”, na “Constituição Coragem”, como a chamou Dr. Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte que a promulgou e, com rara habilidade política, conseguiu conduzir com êxito um processo que tinha tudo para dar errado. Afinal, as pressões e resistências eram imensas.

O deputado e as principais lideranças da Constituinte tinham plena consciência de todas essas questões. Tanto assim que, nas Disposições Transitórias da Carta, criaram facilidades para sua rápida reforma: as emendas poderiam ser votadas em turno único, maioria simples e sessão unicameral do Congresso Nacional, desde que nos cinco anos subsequentes à promulgação. Perdemos a oportunidade. Agora, as emendas somente são aprovadas por maioria absoluta, em sessões específicas do Senado e da Câmara dos Deputados, com votações em dois turnos em cada uma das casas.

Continuamos ansiosos, por exemplo, pela reforma tributária e da previdência, bem como a modernização do arcabouço legal que rege as relações econômicas. Não podemos ter legislação infraconstitucional que contrarie a Lei Maior. Por isso, é de se esperar que o presidente da República e as novas legislaturas do Congresso a serem eleitas este mês cumpram esse compromisso político com a população brasileira.

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No entanto, os gargalos da Constituição não se limitam aos itens que carecem de modernização. Há, ainda, alguns de seus preceitos mais relevantes que seguem sem ser cumpridos integralmente. Um deles e talvez o mais significativo diz respeito à educação, definida na Carta, em distintos artigos, como direito da população e obrigação do Estado. Na prática, estamos descumprindo quase tudo referente ao ensino. O Brasil desrespeita os tópicos referentes à valorização do magistério, à universalidade das matrículas e às condições isonômicas de acesso à escola. Isso é grave, pois não há desenvolvimento sem educação básica gratuita de excelência.

Nos 30 anos da “Constituição Coragem”, que devem ser muito comemorados como marco de nossa democracia, é preciso coragem política para reformá-la no que for necessário e fazê-la ser efetivamente cumprida no que for essencial.

Rubens F. Passos, economista com MBA pela Duke University (EUA), é vice-presidente sênior da ACCO Brands Corporation e diretor do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo.