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A crise do coronavírus está gerando demanda maior por crédito, principalmente por parte dos empreendedores da classe CDE. Esse crédito serviria principalmente para alimentar o seu capital de giro. Os últimos anos mostraram que os grandes bancos, públicos e comerciais, falham em atender a demanda dos mais vulneráveis.
Em 2019, o programa Empreender 360 da Aliança Empreendedora realizou duas pesquisas. A primeira, chamada “Jornada do Microempreendedor de Comunidade”, buscou entender os processos decisórios e as principais características de quem empreende por necessidade, nas diferentes fases de evolução dos seus negócios. A segunda foi o “Sistema Dinâmico do Acesso a Microcrédito por Empreendedores de Baixa Renda”, que mapeou as interações e relações de causa e efeito que existem entre os diferentes atores envolvidos no acesso a microcrédito. Uma das principais conclusões é de que os bancos comerciais, e por vezes os públicos também, não irão garantir o acesso a crédito pelos mais vulneráveis se não mudarmos o sistema.
O estudo “Impacto da Pandemia de Coronavírus nos Pequenos Negócios”, realizado pelo Sebrae e FGV, mostrou que 86% dos micro, pequenos e médios empreendedores que buscaram algum empréstimo não o conseguiram ou ainda aguardam aprovação. Parte desse resultado pode se explicar pelo aumento repentino na demanda e na escassez de fundos disponibilizados. Contudo, existe outra razão mais crônica: inclusão financeira e impacto social não combinam com estratégia comercial e maximização do lucro. Percebemos isso também no relatório “Crédito para os Pequenos em Tempos de Pandemia”, do Centro de Estudo de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Cemif), segundo o qual, nos últimos anos, os principais bancos públicos e comerciais – com apenas duas exceções, Itaú e Santander – têm diminuído as suas carteiras de crédito para micro e pequenas empresas.
Naturalmente, os empreendedores de baixa renda irão pedir crédito para amigos e familiares, e não para as instituições financeiras tradicionais. Parte desse processo pode se explicar pela falta de segurança que eles têm na sua própria capacidade em pagar os juros, e outra parte vem pela desconfiança que sentem em relação aos bancos. O atendimento agressivo e comercial dessas organizações é uma das causas apontadas. O nível de exigências dos bancos também foge da realidade dos empreendedores: muitos não têm CNPJ ou até CPF, como vimos no caso do auxílio emergencial, não possuem imóvel ou garantia, não costumam fazer um plano de negócio dos próximos anos e podem apresentar dívidas ou estarem negativados. Por fim, a operação do microcrédito é custosa para o banco, pois prevê a orientação presencial de um agente para acompanhar o beneficiário durante a solicitação e o uso do recurso. Em outras palavras: não é um negócio lucrativo.
E agora voltamos aos programas pensados para evitar o colapso da pandemia do novo coronavírus: o governo continua apostando nos mesmos cavalos. Se seguirmos apostando apenas nos principais bancos, sendo eles os responsáveis pelos programas de crédito emergenciais, as desigualdades sociais e econômicas irão aumentar. Precisamos, como sociedade, valorizar o ecossistema financeiro que atende os micro e pequenos com maior interesse no impacto social, a começar pela atualização da nossa legislação. Não por meio de privatização de bancos públicos, e sim por um maior acesso de entidades financeiras da ponta aos fundos públicos para operações de microcrédito.
Florian Paysan é coordenador do programa Empreender 360 da Aliança Empreendedora.