Curitiba tem uma longa história com as bicicletas. As duas rodas leves sempre estiveram no dia a dia da cidade, como mostram as fotos antigas, os registros dos clubes de ciclismo e a presença discreta dos trabalhadores que as utilizavam nos seus deslocamentos.
Na história recente do planejamento urbano curitibano, no fim dos anos 1970, vimos a implantação das primeiras ciclovias junto aos ramais do transporte ferroviário e ao leito do Rio Belém. Ao contrário do que se afirma, a intenção de Jaime Lerner e equipe, na ocasião, não era priorizar o lazer apenas, mas o uso utilitário da bicicleta como mobilidade urbana.
No fim dos anos 1980 e 1990, o tema foi esquecido e Curitiba viu a proliferação de calçadas asfaltadas que seriam espaços compartilhados entre ciclistas e pedestres. No início do novo século, o movimento cicloativista surge na terra dos pinheirais, exigindo um tratamento adequado à bicicleta como política pública efetiva, condizente com os termos pelos quais a cidade passou a ser divulgada internacionalmente: capital ecológica, cidade verde etc.
Mais recentemente, em 2012 e 2016, a Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu cobrou dos políticos, nos pleitos municipais, um compromisso efetivo com a ciclomobilidade, visando aumentar a participação do modal numa cidade que tem 84% de sua topografia plana e um potencial tremendo para se tornar de fato uma referência mundial no tema.
O prefeito está tratando a ciclomobilidade como uma política de gestão de seu adversário e antecessor, e não como uma política de Estado
O prefeito Gustavo Fruet assinou a carta e implantou, em sua gestão, itens previstos no compromisso: ciclofaixas junto das estruturais, criação de uma coordenação de mobilidade ativa na Secretaria de Trânsito, campanhas educativas sobre os direitos e deveres dos ciclistas, redução da velocidade viária, entre outras.
O então candidato Rafael Greca também assinou a carta em 2012 e o fez também em 2016, quando foi novamente candidato. No entanto, a atual gestão Greca está desrespeitando os compromissos assumidos. Nos seus 16 meses de mandato, nenhum metro de ciclovia foi construído. A coordenação de mobilidade da Secretaria de Trânsito foi extinta. Não tivemos nenhuma campanha educativa e o trabalho de orientação aos ciclistas, seja nas canaletas do transporte coletivo ou no calçadão da XV, foi suspenso.
Todo o mar de asfalto que a prefeitura está implantando, com o apoio do governo estadual, não está contemplando a segurança dos ciclistas e tampouco dos pedestres. Os novos binários estão priorizando o fluxo dos automóveis em detrimento da lei de mobilidade urbana. O projeto-piloto das calçadas verdes no Centro da cidade, que aumentava a segurança dos pedestres nas travessias, deveria ser fortalecido e adequado e não simplesmente apagado como foi.
Em 2015, uma parceria com a Universidade de Twente, na Holanda, foi feita para aumentar as ações pela ciclomobilidade em Curitiba. A gestão Greca não deu prosseguimento à parceria. Curitiba ainda não tem um sistema de bicicletas compartilhadas e tampouco bicicletários públicos seguros.
Leia também: Bicicleta: invenção do passado, solução do futuro (artigo de Ricardo Nogare, publicado em 14 de setembro de 2014)
Leia também: Ciclovia não é solução de transporte (artigo de Rodrigo Makarios, publicado em 13 de outubro de 2016)
Está claro que o prefeito está tratando a ciclomobilidade como uma política de gestão de seu adversário e antecessor, e não como uma política de Estado que precisa ser contínua, consistente e imune às intrigas políticas a que assistimos com frequência em nosso país.
São milhares de ciclistas que utilizam a bike para ir ao trabalho, aos estudos ou para o lazer, esporte e turismo. Além destes, outro contingente enorme poderia aderir à bicicleta se a cidade aumentasse a infraestrutura de ciclovias, especialmente conectando o Centro aos bairros da Região Sul. O Sítio Cercado, Pinheirinho e CIC precisam de ciclovias seguras! A Winston Churchill e a República Argentina precisam urgentemente de ciclofaixas!
Acima de tudo, o que exigimos do prefeito, como chefe do Executivo, é abrir o diálogo com a participação dos usuários. Curitiba precisa de um Plano Diretor Cicloviário para passar ao rol das cidades que estão pensando com seriedade a bicicleta como meio de transporte, desestimulando o uso individual do automóvel, privilegiando o transporte coletivo, os pedestres e a acessibilidade.
Em tempos de se comemorar o aniversário da cidade, são estes os bons agouros que desejamos a Curitiba, uma cidade que não pode ser refém do revanchismo político retrógrado e que precisa resgatar sua tradição de inovação.