O planeta Terra assiste a uma sociedade em transformação, seja em seus desejos e vontades, seja em seus valores existenciais. Em momentos assim se faz a pergunta: qual Medicina, também em transformação, deseja a sociedade ocidental?
O exercício profissional da Medicina navega em mares revoltos e importantes: aqueles que tratam dos direitos fundamentais do ser humano. O direito à saúde é direito social fundamental, ancorado em princípios de autonomia, acesso à saúde, informação e beneficência. Neste sentido, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os centros de formação médica com foco na qualidade do profissional têm defendido parâmetros de qualificação, com objetivo de proteção da sociedade.
Preconizam-se escolas médicas com qualidade e para formar o número de médicos necessários ao sistema de saúde do brasil; entendem também que a fixação de médicos em regiões remotas do país só é possível com uma política pública consistente, voltada à organização de uma carreira pública, independentemente de posições políticas regionais. Nessa linha, o pensamento prevalente é de que o SUS deve ser mais eficiente em suas portas de entrada com estrutura descentralizada, organizada em território delimitado, com sistema de rede integrada em seus níveis de atenção à saúde.
Tratar a saúde como mero bem de consumo, e não como direito fundamental, é uma proposta fadada à tragédia social
O CFM se posiciona no sentido de considerar a Medicina como uma atividade de meios, e não de fim.
A realidade, todavia, apresenta grandes desafios e dificuldades. O SUS, como modelo universal de saúde, tem seus resultados deteriorados pelo subfinanciamento e pela má gestão, fazendo com que a desigualdade de acesso se assemelhe à desigualdade social. O financiamento público representa 42% das despesas em saúde no Brasil, quando outros países com modelo universal em saúde despendem de 70 a 80 % para o mesmo fim. O Brasil prometeu – mas não entregou – a saúde proposta aos cidadãos em nossa Constituição. O que seria, na teoria, um modelo social, revela-se, na prática, como lógica de mercado aplicada à Medicina.
Enquanto isso, concorrem aqueles contrários ao próprio conceito de Estado de bem-estar social e propõem o aumento do número de médicos com vistas a baixar custos, colocando como secundária a qualidade da formação dos novos médicos. O Brasil possui atualmente mais de 330 escolas de Medicina, formando, só em 2013, mais de 14.000 médicos, e aproximadamente 30.000 profissionais em 2019. Abrir uma escola médica, hoje, é visto como um ótimo negócio.
Somam-se a isso propostas que pressionam para que a Medicina seja uma atividade de concorrência comercial e os conselhos de classe das profissões são vistos como empecilhos a uma lógica estritamente mercantil. Tratar a saúde como mero bem de consumo, e não como direito fundamental, é uma proposta fadada à tragédia social e, se executada, vai agravar ainda mais a desigualdade de direitos fundamentais do povo brasileiro. As posições estão postas e seu juízo está nas mãos da sociedade, a qual precisa ser informada para que possa bem exercer seus direitos de acompanhamento e cobrança pela efetividade dos direitos sociais.
Donizetti Dimer Giamberardino Filho é médico pediatra, conselheiro do CRM-PR e representante do Paraná no Conselho Federal de Medicina.