Moscou passou a buscar espaço internacional como forma de resgatar o poder de outrora.| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Grandes nações buscam alcançar influência internacional. Esta é uma realidade ao longo da história. Mais recentemente, vivemos o período da Guerra Fria, em que Estados Unidos e União Soviética rivalizavam como os grandes atores do xadrez global. Com a queda do Muro de Berlim, este eixo aos poucos passou a se deslocar para a China, com a Rússia tentando resgatar sua relevância.

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Moscou se movimenta para reencontrar sua posição de protagonismo e influência externa. Em termos geopolíticos, busca fazer jus à teoria de Sir Halford Mackinder, que coloca a nação que ocupa a posição geográfica onde está a Rússia como o principal ator da esfera internacional, a chamada “Heartland Theory”. Segundo esta visão estratégica, aquela nação que domina a área denominada como pivô, controlando a chamada “Heartland”, em última instância, governa o mundo.

A nação de Rachmaninoff, Rimsky-Korsakov, Prokofiev, Shostakovitch, Stravinski, Tchaikovsky e, mais recentemente, Gergiev, além de produzir grandes compositores e maestros, é conhecida também pela habilidade em lidar com os labirintos da política internacional, exercendo poder e influência em todos os continentes do mundo. O fim do período comunista serviu como combustível para Vladimir Putin ascender como aquele que resgataria o brilho e poder da Rússia.

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Naturalmente, Moscou passou a buscar espaço internacional como forma de resgatar o poder de outrora, tentando exercer influência em pontos estratégicos, tanto economicamente quanto em termos de geopolítica. Essa é uma tradição tanto russa quanto de outras grandes nações que buscam resgatar seu protagonismo na esfera externa, exercendo o soft power, assim como o hard power.

A narrativa orientada pela Rússia cresce e tem sido usada cada vez mais frequentemente em diversos meios

Vemos incursões e alianças estratégicas na Síria, Venezuela e em países vizinhos na Europa, Ásia e inclusive na África. Em Caracas, diante da leitura deste cenário, Nicolás Maduro buscou uma aliança com Moscou para viabilizar sua manutenção no poder, em um movimento que, diante da instabilidade do regime chavista, oferece aos russos a oportunidade de exercer influência e controlar a narrativa dos acontecimentos. A Venezuela, neste caso, tem potencial para tornar-se um canal de interlocução e entrada da Rússia na região, com o objetivo de ampliar sua persuasão aos países vizinhos.

Buscando sempre ampliar a influência internacional, os caminhos são os mais distintos e trafegam por muitos canais. Se de um lado a diplomacia sabe manobrar os canais dos organismos internacionais, do outro o soft power também encontrou seu caminho, uma estratégia para conquistar corações e mentes. Intercâmbios profissionais em áreas significativas que possam gerar impactos em tempos distintos, que nascem desde interações acadêmicas, passam pelo comércio e desaguam em áreas como comunicação, com media training para jornalistas estrangeiros, e outras formas de persuasão são os mecanismos usados nesta dinâmica. Os resultados já são claros e tangíveis. A narrativa orientada pela Rússia cresce e tem sido usada cada vez mais frequentemente em diversos meios, desde a mídia, passando pela academia e pelo comércio.

Neste diapasão se inserem os Brics, grupo no qual Moscou possui uma influência seminal, assim como a China, mas distanciando-se em termos políticos do Brasil, que neste governo adotou uma postura diametralmente oposta à dos anos petistas. Nos tempos passados, os Brics tinham uma postura não alinhada, incentivados pela agenda Sul-Sul. Desta vez, vemos que a declaração final do bloco silencia diante da crise na Bolívia ou do drama humanitário vivido pela Venezuela, regimes apoiados tanto pelo governo de Xi Jinping como pelo de Vladimir Putin, porém rejeitados por Bolsonaro. Percebemos que o respeito do Brasil pela democracia e o valor de suas instituições é antagônico à falta de tolerância com conceitos como direitos humanos e liberdade de expressão, mantida sob vigilância e muitas vezes sob ataque destes parceiros de bloco. Esta diferença talvez se transforme no principal desafio do grupo.

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A liderança proporcionada pelo protagonismo nos Brics reflete este novo momento da Rússia, que adota uma política externa ativa, de influência e com objetivos muito concretos, usando tanto seu peso internacional em organismos multilaterais como um avanço incisivo por meio do soft power. Desta forma, consegue desenhar os acontecimentos ao redor do globo, moldando a seu modo o rumo da narrativa em prol de seus interesses. Um ressurgimento que, realizado de forma hábil e ordenada, tem o condão de ir além de reconstruir a o poder de outrora, reorganizando o xadrez da geopolítica mundial.

O Brasil, como nação estratégica na geopolítica latino-americana, deve ficar atento ao jogo global de poder e aos movimentos de Moscou. Na busca russa por reconhecimento e respeito como uma nação influente, surgem denúncias de violações de fronteiras e manipulação de processos eleitorais que, se comprovadas, constituem-se em ilegalidades internacionais que merecem atenção de países que buscam uma aproximação com a Rússia.

Se no passado, ainda sob o regime comunista soviético, Moscou se aproximou de nações como o Brasil e seus vizinhos, buscando acordos comerciais, alinhamento internacional e cooperação como forma de exercer influência, o modelo se repete décadas mais tarde. Cabe ao nosso país entender se este novo momento é propício para buscar parceiros que dividem o apreço pelos mesmos valores democráticos ou se faremos coro a Sir Halford Mackinder, ajudando a restaurar o poder político da nação que repousa no pivô da Ásia. Um movimento delicado e que precisa ser muito bem pensado dentro do xadrez político mundial.

Márcio Coimbra é professor de Relações Internacionais do Mackenzie.