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Inúmeros conflitos vêm sendo deflagrados em condomínios, especialmente naqueles destinados a unidades do tipo estúdio, devido à proibição imposta por alguns síndicos à utilização do AirBNB. São inúmeras as questões suscitadas pelos condôminos, eis que a utilização da plataforma aumentou o fluxo de pessoas entrando e saindo das unidades, levando a dúvidas e receios, quando não o inconformismo com as mudanças.

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Importante fixar-nos nas questões jurídicas, ou melhor, na legalidade ou ilegalidade na utilização do AirBNB. Primeiramente: trata-se de locação ou hospedagem? Essa é a principal discussão jurídica que temos de descortinar.

Quem sustenta a ilegalidade da utilização do AirBNB defende que se trata de hospedagem, não de locação. Sendo assim, teria viés comercial, submetendo-se à Lei 11.771/2008, que regula a Política Nacional de Turismo. Segundo o artigo 21 desta lei, considera-se prestador de serviço turístico a sociedade empresária, sociedade simples, empresário individual ou serviço social autônomo que preste serviço turístico remunerado e que exerça atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo.

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Dentre as atividades descritas, a que mais interessa é a dos “meios de hospedagem”, definida no artigo 23 da mesma lei. Trata-se de empreendimentos ou estabelecimentos “destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária”.

Assim, segundo os defensores da tese de que o AirBNB seria uma espécie de hospedagem, trata-se de uma atividade econômica e não de uma simples locação. Essa atividade econômica chamada de “meios de hospedagem” abrange não apenas hotéis tradicionais, mas também empreendimentos que utilizam condomínios residenciais para “prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas", conhecidas com flats. De acordo com o artigo 24, todos os meios de hospedagem devem ter licença de funcionamento (inciso I); no caso de “condomínio hoteleiro, flat, flat-hotel, hotel-residence, loft, apart-hotel, apart-service condominial, condohotel e similares”, exige-se ainda licença edilícia de construção ou certificado de conclusão de construção, além de vários outros documentos, como uma convenção de condomínio que preveja a prestação de serviços hoteleiros aos usuários, num sistema associativo chamado de “pool de locação” (inciso II).

Os condomínios não podem proibir o compartilhamento de imóveis por meio de plataformas eletrônicas como o AirBNB

Assim, os defensores da tese de que o AirBNB seria uma atividade comercial de hospedagem alegam que há desvirtuamento da finalidade do condomínio residencial e, portanto, uma grave ofensa à convenção.

Mas este posicionamento não se sustenta, tendo sido evidentemente “construído” às pressas para justificar as proibições.

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Obviamente, a locação de apartamentos em um edifício residencial não o transforma em um “apart-hotel”, ou em um “hotel-residência”, ou em qualquer uma das outras espécies previstas pelo inciso II do artigo 24 da Lei 11.771/2008, mesmo que todos os apartamentos sejam alugados por meio do AirBNB ou plataformas similares. Para tal, seria necessário, de acordo com a mesma lei, que o edifício inteiro oferecesse serviços como recepção, limpeza e arrumação, maleiro, alvará prévio, licença de bombeiros, licença ambiental, não se admitindo a desnaturação de todo este conceito hoteleiro por conta da simples locação das unidades autônomas.

De outro lado, temos quem sustente que o AirBNB representa locação, estipulada na Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91). Mais especificamente, a figura da “locação para temporada” prevista no artigo 48 dessa lei, segundo o qual “considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a 90 dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.

A faculdade de alugar o próprio imóvel é elemento indissociável do direito de propriedade. De acordo com o artigo 1.228 do Código Civil, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha”. O artigo 1.335, inciso I, por sua vez, prevê como direito dos condôminos “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades”. Ademais, o condomínio, seja por meio da convenção, regimento interno ou mesmo deliberação e assembleia, não pode violar o direito de propriedade da unidade autônoma, sobretudo diante da existência de legislação especifica que se aplica ao ato (no caso, a locação por temporada)

Existe, de fato, preocupação com a segurança e em relação a danos que possam ser causados ao condomínio devido ao aumento no fluxo de pessoas ditas “estranhas”. Contudo, esta preocupação in abstrato não pode subtrair o direito de propriedade das unidades autônomas; cabe ao síndico readequar as instalações do edifício para garantir maior segurança e controle. O Código Civil prevê, em seu artigo 1.337, a possibilidade de que o condomínio aplique multas aos condôminos sempre que estes descumprirem deveres previstos na convenção ou regulamento interno. Trata-se de uma ilusão imaginar que os riscos à segurança ou ao patrimônio podem ser evitados com meras proibições às novas tecnologias.

A vida em condomínio inclui riscos, até mesmo envolvendo os próprios condôminos, pois não se conhece intimamente cada pessoa que vive no mesmo edifício. Qualquer pessoa, seja ela proprietária ou locatária, pode causar danos a terceiros; a consequência é pura e simplesmente a responsabilização objetiva do causador do dano ou do proprietário da unidade, e não a proibição total de plataformas que simplesmente facilitam o contato entre locadores e locatários.

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Na verdade, plataformas que intermedeiam contratos de locação pela internet podem ser até mais seguras, pois os provedores são obrigados a guardar os registros de acesso dos usuários pelo período de seis meses, como prevê o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Se o pagamento for feito por meio de cartão de crédito, dificulta-se ainda mais a ocultação de pessoas que porventura venham a causar danos a terceiros. Vale lembrar que as plataformas de AirBNB têm seguro, trazendo mais certezas do que os contratos de locação tradicionais feitos por imobiliárias.

Outro aspecto importante a destacar é o de que, nas locações por temporada, o aluguel aferido ao fim do mês é significativamente maior que as locações tradicionais com prazo superior a 90 dias. Isto resulta em valorização do imóvel como um todo.

Os condomínios não podem, portanto, proibir o compartilhamento de imóveis por meio de plataformas eletrônicas como o AirBNB, pois a faculdade de alugar o imóvel é elemento indissociável do direito de propriedade. Incumbe aos condomínios regulamentar o acesso dos locatários por temporada, exigindo cadastros e termos de consentimento dos proprietários locadores, investindo em câmeras de segurança, controles de acesso e treinamento de portaria, medidas que reverterão em prol de todas as unidades e da valorização do edifício como um todo. Deduzir que o aumento de fluxo de pessoas desvaloriza o edifício e põe em risco a segurança é bastante subjetivo, quando não ilógico.

Importante destacar que a locação por temporada existe há décadas, mas não era amplamente utilizada justamente pela falta de meios convenientes de contratação, o que foi superado com o avanço das tecnologias de aplicativos como o AirBNB. É evidente que tais plataformas digitais de contratação vieram para ficar, assim como Uber, Netflix, eBay etc., restando-nos promover adaptações a estas modalidades.

Diante disso, resta concluir que as proibições de uso do AirBNB são ilegais, e o proprietário que se sentir prejudicado pode assegurar seu direito na justiça.

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Felipe Abrahão é advogado especialista em Direito Imobiliário.