O presidente americano Donald Trump (E) e o procurador especial Robert Mueller, que entregou o relatório final de sua investigação sobre possível interferência russa nas eleições americanas de 2016. Fotos: Saul Loeb / AFP| Foto:

O relatório final de Robert Mueller é avassalador para o presidente. Longe da "exoneração total e completa" que Donald Trump alegou prematuramente quando o procurador-geral William Barr divulgou o resumo de quatro páginas do trabalho do conselheiro especial, de mais de 400 páginas, o documento expõe um caso irrefutável – mesmo com a ausência de uma conclusão condenatória – de obstrução da justiça pelo líder da nação.

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Ele deixa bem claro que o obstrucionismo presidencial ao FBI e às investigações do conselho especial foram além dos limites constitucionais e poderiam merecer ação penal, não fosse pela política do Departamento de Justiça contra o indiciamento de presidentes no cargo. E observa que o gabinete de Mueller considerou explicitamente absolver Trump pela obstrução da justiça, mas optou enfaticamente por não fazê-lo.

Ao contrário, Mueller usou 181 páginas para detalhar as provas substanciais de que Trump obstruía a justiça. Sua equipe também concluiu que, mesmo que as limitações legais os tenham impedido de indiciá-lo, "o Congresso tem autoridade para proibir o presidente de fazer uso corrupto de sua autoridade com o objetivo de proteger a integridade da aplicação da justiça".

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Mueller usou 181 páginas para detalhar as provas substanciais de que Trump obstruía a justiça

Longe de encerrar o assunto, o relatório é um ato indiscutível de deferência à jurisdição primária do Congresso sobre a responsabilização do presidente. O Comitê Judiciário da Câmara agora deve partir de onde Mueller parou e começar a organizar os procedimentos para determinar se Trump abusou do poder de seu cargo.

O parecer detalha provas flagrantes de obstrução, enfatizando o padrão de conduta que o presidente assumiu depois que James Comey, na época diretor do FBI, confirmou que sua agência investigava uma possível ligação entre a campanha do então candidato e a Rússia.

A maior parte das ações mais alarmantes já é bem conhecida: a pressão de Trump sobre várias autoridades, incluindo o próprio Comey, para exonerá-lo publicamente; o fato de ter demitido Comey por sua recusa de declarar publicamente que o presidente não estava sob investigação, muito provavelmente para se proteger de uma devassa em sua campanha; seus esforços para interromper a investigação do conselho especial, incluindo a instrução dada ao ex-gestor de campanha, Corey Lewandowski, de exigir do então procurador-geral Jeff Sessions uma isenção presidencial pública que abreviaria a investigação sobre a Rússia; as instruções dadas aos assessores de ocultar e-mails e a composição de uma declaração pública enganosa pelo filho, Donald Trump Jr., sobre a reunião de junho de 2016 com diversos russos na Trump Tower; a ordem dada ao conselheiro da Casa Branca, Don McGahn, de negar que tentara demitir Robert Mueller; a sugestão da possibilidade, por meio de seus advogados, de anistia a Paul Manafort, Rick Gates e Michael Cohen, três aliados que foram indiciados pelo conselho especial.

Mueller também corrobora os relatos de Comey sobre duas interações com o presidente, incluindo o já famoso encontro no Salão Oval, durante o qual Trump lhe pediu que "liberasse Flynn". E enfatiza que "a maneira como o presidente comunicou seu pedido a Comey" é essencial para compreender sua intenção potencialmente corrupta. Como o relatório ressalta, "é importante enxergar o padrão de conduta do presidente como um todo", incluindo as maneiras como Trump "usou suas habilidades únicas" para influenciar os outros, atacando a investigação ou testemunhas em potencial por meio da comunicação em massa.

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De forma decisiva, o relatório rejeita muitas das defesas mais proeminentes do presidente, articuladas por seus advogados e por Barr.

Para começar, o conselho especial recusa a ideia de que a Constituição impede o exame do uso que o presidente faz de seus poderes legais para impedir investigações, ao dizer: "A conclusão de que o Congresso pode aplicar as leis de obstrução ao exercício corrupto do cargo por parte do presidente está de acordo com nosso mecanismo constitucional de controle e equilíbrio e o princípio de que ninguém está acima da lei."

Em segundo lugar, os casos de obstrução da justiça não exigem que o crime intrínseco mais proeminente em investigação – nesse caso, a conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia – seja provado. Ao contrário, o relatório afirma que "a obstrução pode ser motivada pelo desejo de proteção de interesses pessoais não criminosos, contra investigações nas quais uma conduta criminosa subjacente se resuma a uma 'área cinzenta', ou para evitar o constrangimento pessoal". E, como detalha repetidas vezes, há grandes possibilidades de que a motivação por trás da conduta obstrutiva de Trump se encaixe em uma dessas três categorias.

De fato, a pessoa que obstrui a justiça pode estar querendo evitar a detecção de uma conduta que sabe errada, concluam ou não os promotores que houve violação criminosa – o que talvez explique a revelação de que o presidente reagiu à indicação de Mueller com um palavrão e a frase "é o fim da minha presidência".

E, embora o relatório também detalhe algumas considerações exculpatórias – incluindo o fato de o presidente não se envolver em nenhuma conspiração implícita ou explícita com o governo russo durante a campanha –, faz o retrato de um presidente que tentou impedir repetidamente uma investigação que sabia ser danosa para si, sua família e seus aliados.

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Embora Mueller tenha agido sob leis diferentes das de Leon Jaworski, que investigou Richard Nixon, e de Kenneth Starr, que investigou Bill Clinton, no fim chegou à mesma conclusão que os outros dois: a de que o Congresso, órgão composto por representantes eleitos, tem mais capacidade que um promotor para determinar se deve iniciar ou não os procedimentos que poderiam resultar na retirada de uma autoridade do cargo.

O Congresso também está mais bem equipado para fazer determinações que o conselho especial decidiu serem além de sua alçada – e, porque tem o poder apenas de remover, e não indiciar, um presidente, não precisa se preocupar, no contexto de um eventual processo criminal, com o fato de que suas ações vão afetar a capacidade de um presidente de continuar servindo como chefe do Executivo, como parece ser o caso do conselho especial. Afinal, se o Congresso votar pelo impeachment e a condenação, estará encerrando, e não afetando, a presidência.

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A casa, um ramo coigualitário do governo, também tem perfeitas condições de definir se o exercício dos poderes constitucionais de um presidente – incluindo a demissão ou instrução de subordinados em caso de uma investigação iminente – representa obstrução da justiça de acordo com a Constituição. O fato de Mueller explicitamente não decidir se o presidente se envolveu ou não em conduta criminosa só reforça a necessidade de o Congresso investigar se Trump violou suas obrigações constitucionais para com o povo norte-americano.

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Talvez mais vitais, os depoimentos congressionais têm um papel crucial na articulação dos valores perenes de nossa república. E a casa os realiza não para alcançar um resultado pré-arranjado, mas sim para resolver, em um ambiente público, a questão da aceitabilidade da conduta do presidente. Embora o procedimento seja e deva continuar sendo uma ocorrência rara, o Congresso e o povo têm todo o direito de insistir em saber se o indivíduo que jurou "preservar, proteger e defender a constituição dos EUA" não abusou de seu poder para proteger a si mesmo, ou seus aliados, do alcance da justiça.

O fato de que a maioria das evidências da obstrução de Trump tenha ocorrido à vista do povo não diminui a seriedade de tal conduta nem a necessidade de novos inquéritos. Como afirma o relatório de Mueller, "nenhum princípio da lei exclui atos públicos do escopo dos estatutos de obstrução", e o mesmo é válido para as violações das obrigações presidenciais de cuidar que as leis sejam cumpridas à risca.

Em vez de eximir de culpa, a natureza pública e escancarada da aparente obstrução por parte do presidente é um dos motivos por que ela representa uma ameaça tão grave aos nossos valores democráticos. O maior risco neste momento de nossa história não é se o Congresso vai ou não levar adiante a investigação que o presidente e seus cupinchas farão o máximo para desqualificar, mas sim se vamos deixar bem claro aos futuros embriões de autoritários que nossas instituições não toleram ataques explícitos porque ninguém está acima da lei.

Os fundadores da nossa nação acharam por bem dar poderes ao Congresso para remediar excepcionalmente a improbidade executiva pontual. Não pôr em prática a noção da responsabilização num momento em que as circunstâncias o exigem de maneira tão premente abriria um precedente hediondo à nossa democracia. Mueller fez seu trabalho; agora é hora de o Congresso fazer o seu.

Noah Bookbinder é o diretor-executivo da organização sem fins lucrativos Citizens for Responsibility and Ethics em Washington.

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