Os anos 1980 são conhecidos como a “década perdida”. Sem um aposto associado à economia, ignoramos se tratar de nosso mais relevante momento histórico em termos políticos. Iniciamos esse período assistindo ao fim do artificial bipartidarismo da ditadura. Recuperamos o direito de escolher diretamente os governadores em 1982, e reafirmamos esse compromisso em 1986. Organizamos o maior movimento político de massas de nossa história entre 1983 e 1984, com as Diretas Já. Assistimos à chegada de um civil ao poder, mesmo que indiretamente, em 1985. Elegemos uma Assembleia Constituinte em 1986, e com ampla participação popular forjamos a Constituição Cidadã entre 1987 e 1988, quando ela foi promulgada. Por fim, em 1989, elegemos diretamente um presidente da República, algo que não ocorria desde 1961. Derrota?
A partir desse decênio, passamos a consolidar as instituições democráticas. E ao longo dos últimos anos nos ancoramos fortemente, em termos do senso comum, na ideia de que eleições simbolizam, quase exclusivamente, o sentido da democracia. Assim, elevamos o quadro de eleitores, mantivemos o raro voto dos jovens de 16 anos, e seguimos à risca, desde 1990, a agenda dos pleitos bienais. Basta?
Há quem afirme ser a democracia um valor, um princípio para a vida em sociedade
Não. Para alguns estudiosos a democracia é mais sofisticada. Se por um lado o sufrágio universal simboliza o conceito sob seu viés representativo, não é possível deixar de elencar os desafios das liberdades de expressão, associação e imprensa, bem como a existência de órgãos neutros que garantam a lisura dos pleitos, a posse dos eleitos e as datas pré-definidas para tais eventos. Mas tem mais: há quem afirme ser a democracia um valor, um princípio para a vida em sociedade. E isso exigiria a percepção acerca de práticas democráticas entre famílias, trabalhadores, estudantes e cidadãos em geral. Estamos prontos?
A complexidade desse desafio fez alguns filósofos desistirem do uso do termo “democracia”, indicando seu caráter utópico quando associado a um valor complexo. Sem chegar a tal ponto, precisamos compreender dois dos principais desafios brasileiros, tendo em vista as comemorações do Dia Internacional da Democracia em 15 de setembro, data definida pela ONU com base na Declaração Universal da Democracia em 1997.
Primeiramente, não é possível falar em democracia sem justiça. E, desde 2012, o país assiste ao amadurecimento de ações que, a despeito de questionáveis características culturais, parecem preocupadas em consolidar esse parâmetro. O julgamento do mensalão e as recentes ações de combate à corrupção simbolizam esse aguardado amadurecimento. A partir daqui as questões parecem ser: por que tão tardiamente? O que efetivamente representa esse ativismo da Justiça? Quão transparentes são esses organismos e seus objetivos? Seremos capazes de marcar uma nova era no tratamento à corrupção? A história precisa avançar para que as respostas se tornem claras.
O segundo ponto está associado à própria teoria da democracia. A consolidação desse princípio demanda a construção de dois pilares. O primeiro é a participação, que varia de acordo com o desenho de democracia. O segundo é a educação, e a informação. Faz anos que o Brasil busca avançar sobre formas mais participativas de democracia, mas o quanto preparamos nossos cidadãos para o exercício da política?
A volta da Sociologia e da Filosofia para as escolas nos anos 2000, os Parâmetros Curriculares Nacionais que consideram a política como tema transversal nos anos 1990, e as atuais discussões sobre a reforma do ensino médio trazem esperanças. Assim, um país que realiza eleições periodicamente é visto como democrático. Mas em uma nação onde também vigora a sensação de justiça, e os cidadãos são politicamente educados, há mais sofisticação, e essa nação é muito mais democrática.
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