O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica que afeta a comunicação, o comportamento e a interação social. Embora suas manifestações variem em intensidade, é amplamente reconhecido que intervenções terapêuticas precoces podem melhorar significativamente a qualidade de vida das crianças com TEA. No entanto, para muitas famílias que vivem nas periferias brasileiras, o acesso a essas terapias, que deveriam ser um direito garantido, está longe de ser uma realidade. A pobreza e a desigualdade social agravam um cenário já desafiador, criando barreiras insuperáveis para quem mais necessita de cuidados.
A pobreza afeta diretamente o acesso à saúde de várias maneiras e, no caso do TEA, esses impactos são ainda maiores. Nas periferias, onde grande parte da população vive com recursos financeiros limitados, a luta diária pela sobrevivência muitas vezes sobrepõe-se à busca por diagnósticos e tratamentos. A ausência de renda suficiente torna inviável o acesso a profissionais particulares e tratamentos especializados. Terapias como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), fonoaudiologia, terapia ocupacional e acompanhamento psicopedagógico, recomendadas para crianças com TEA, estão, em sua maioria, disponíveis em clínicas particulares, fora do alcance das famílias de baixa renda.
A pobreza e a falta de acesso a terapias adequadas são problemas que agravam a vulnerabilidade das crianças com TEA nas periferias. Garantir que essas famílias tenham o suporte necessário é um desafio que requer vontade política e investimentos contínuos
A precariedade do sistema de saúde pública nas regiões periféricas também é um fator crucial. As unidades básicas de saúde, muitas vezes, não contam com profissionais capacitados para identificar ou tratar o autismo. A escassez de neuropediatras, psicólogos e psiquiatras especializados no SUS cria uma fila de espera interminável para o diagnóstico, levando meses ou até anos para que as crianças recebam a atenção necessária. Sem o diagnóstico, o tratamento é atrasado, e as oportunidades de desenvolvimento durante os primeiros anos de vida, um período crítico para o tratamento do TEA, são perdidas.
A desigualdade viabiliza a falta de acesso a terapias adequadas para o TEA, perpetuando um ciclo de pobreza e exclusão social. Sem o suporte terapêutico, muitas crianças enfrentam desafios que poderiam ser amenizados, como dificuldades de comunicação e comportamento, o que prejudica seu desenvolvimento educacional e social. Como resultado, essas crianças muitas vezes têm dificuldade em frequentar a escola e, mais tarde, em participar da vida econômica e social de suas comunidades.
Os pais, por sua vez, enfrentam o dilema de como lidar com a necessidade de cuidar de seus filhos em tempo integral e, ao mesmo tempo, buscar emprego para sustentar a família. Muitas mães de crianças com TEA em áreas periféricas acabam se tornando cuidadoras em tempo integral, sem condições de trabalhar fora de casa. Isso agrava ainda mais a vulnerabilidade econômica dessas famílias, que ficam presas em uma espiral de pobreza. Sem o apoio do Estado, essas famílias não conseguem quebrar o ciclo de exclusão social e econômica.
Outro fator agravante é a distribuição desigual dos serviços de saúde especializados. Os centros de tratamento e reabilitação para autistas estão, em grande parte, localizados em regiões urbanas centrais, acessíveis às classes mais favorecidas. Nas periferias, são raros os centros especializados, o que força muitas famílias a se deslocarem grandes distâncias para buscar tratamento. Esse deslocamento representa mais um obstáculo para as famílias, que já enfrentam dificuldades financeiras e, em muitos casos, não têm acesso fácil ao transporte público.
Além disso, as poucas vagas oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não são suficientes para atender à crescente demanda, e quando há tratamento disponível, ele frequentemente não é suficiente em termos de frequência e continuidade. Crianças com TEA, que precisariam de várias sessões semanais de terapia, muitas vezes têm acesso a apenas uma ou duas sessões por mês, comprometendo a eficácia do tratamento.
Há também a falta de conscientização nas periferias em torno do TEA. Muitas famílias não possuem o conhecimento necessário para identificar os primeiros sinais do autismo e, sem informações claras, muitas vezes não sabem como ou onde buscar ajuda. A ausência de campanhas de conscientização voltadas para as populações de baixa renda contribui para o desconhecimento e o estigma que ainda cerca o TEA, levando algumas famílias a não procurarem tratamento por medo ou vergonha.
Além disso, a falta de inclusão educacional é um reflexo da ausência de políticas públicas eficazes para crianças com TEA nas periferias. A legislação brasileira garante o direito à educação inclusiva, mas nas escolas públicas de áreas periféricas, faltam recursos e profissionais capacitados para lidar com crianças autistas. Professores sem treinamento adequado não conseguem atender às necessidades dessas crianças, o que pode levar à exclusão escolar ou à falta de progresso acadêmico.
Para mudar esse cenário, são necessárias ações urgentes e efetivas por parte dos governos e das instituições públicas. A criação de mais centros de atendimento especializados em autismo nas periferias, com equipes multidisciplinares, seria fundamental para garantir que as crianças com TEA recebam o tratamento adequado perto de suas residências. Igualmente necessário é investir na formação de profissionais, tanto da saúde quanto da educação, para que possam identificar o autismo precocemente e oferecer um atendimento mais eficaz.
Outro ponto importante é criar políticas públicas que subsidiem o transporte para as famílias que precisam se deslocar para centros de tratamento, além de oferecer maior acesso a terapias pelo SUS, garantindo a frequência adequada às necessidades das crianças. E ainda realizar campanhas educativas voltadas às comunidades periféricas, promovendo a inclusão e o respeito às crianças com TEA, além de informar sobre os sinais e a importância do diagnóstico precoce.
A pobreza e a falta de acesso a terapias adequadas são problemas que agravam a vulnerabilidade das crianças com TEA nas periferias. Garantir que essas famílias tenham o suporte necessário é um desafio que requer vontade política e investimentos contínuos, mas é também um passo fundamental para garantir uma sociedade mais justa e inclusiva, onde o direito à saúde seja de fato garantido a todos, independentemente de sua condição socioeconômica.
Raphael de Castro é pedagogo e psicopedagogo.
Deixe sua opinião