(Foto: Nicholas Kamm/AFP)| Foto:

No livro Os deuses subterrâneos, de 1994, um grupo de cientistas vive no subsolo do Planalto Central, fugindo de hecatombe ecológica ocorrida em passado longínquo, que deixou a superfície praticamente inabitável. Depois de milênios, só podiam subir raras vezes, por curto período.

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Em uma dessas subidas, dois androides também sobem junto. Mas um terremoto fecha a entrada e o grupo fica preso na superfície. Rapidamente os humanos morrem mas os dois androides, Adam e Eve, sobrevivem e criam uma população que os humanos na catacumba só descobrem quando percebem os terremotos provocados pelas bombas atômicas explodindo durante testes nucleares na superfície.

Trump considera que a crise ecológica é invenção dos cientistas anticristãos e comunistas

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Preocupados com o que lhes aconteceria se houvesse uma guerra nuclear, eles decidem eliminar a civilização dos androides loucos, de uma forma que não provocasse estragos na estrutura do habitat subterrâneo onde viviam. A solução seria uma devastação ecológica que, aos poucos, varresse a humanidade. Mas, antes disso, era preciso forçar a paz entre eles.

Começam então sequestros de androides para reprogramá-los para que se tornassem cientistas, engenheiros, empresários, políticos: fariam as pazes entre potências nucleares e provocariam um desenvolvimento industrial devastador, poluidor de águas e atmosfera. Ocorreriam mudanças climáticas, enlouquecendo o planeta, antes que os androides fizessem guerra suicida.

Nada indica que o livro tenha veracidade, mas as falas e gestos do presidente Trump – até sua aparência – nos fazem pensar que talvez a ficção não seja tão absurda; ou que, sendo absurda, é boa metáfora do que ocorre hoje. Ele se recusa a aceitar indicadores de desmatamento e degelo dos polos, considera que a crise ecológica é invenção dos cientistas anticristãos e comunistas, tudo que os deuses subterrâneos queriam programar.

Ao continuarmos a marcha ao desastre ecológico, por força de decisões políticas e descobertas científicas nós, descendentes de Adam e Eve, temos razões para acreditar que estamos sendo governados por androides infiltrados na humanidade pelos deuses subterrâneos. Só deuses podem ter programado os dirigentes políticos de hoje para se recusarem a ver, e para impedirem de ser vista, a dimensão do desmatamento na Amazônia que os satélites filmam.

Difícil explicar isso pelo natural, só o fantástico mundo onde deuses fabricaram nossos dirigentes ao ponto de eles conseguirem o que parecia ser impossível existir, como eles foram eleitos, como Trump e outros. O livro indica que a programação era feita para ninguém perceber, mas hoje em dia parece que os deuses perderam a discrição: está na cara que temos presidentes e primeiros-ministros com cara, jeito, cabelo e cabeça de androides, infiltrados para provocar desastres.

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Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.