Passados exatos dez anos da venda da Varig à Gol, cabe fazer uma reflexão sobre a solução dada ao caso. Como integrante do grupo consultivo contratado para idealizar um plano de reestruturação da companhia antes da decretação de sua falência – e que não foi implementado por causa da desastrosa intervenção do governo federal, de um incoerente posicionamento de seus credores (especialmente os estatais) e de uma tradicional visão meramente jurídica do Judiciário –, pergunto: quem ganhou e quem perdeu? Claramente, poucos foram os ganhadores e muitos os perdedores, o que significa que ela não foi boa.
A solução dada ao caso envolveu a clássica separação da companhia em duas: uma empresa “boa”, com ativos, marcas etc., e uma empresa “podre”, onde ficam os problemas, as dívidas e os credores. A “boa”, não detentora nem sucessora dos passivos, é vendida para um novo investidor e o dinheiro arrecadado vai para a “podre” (massa falida), a fim de liquidar passivos dentro de um ordenamento e prioridade estabelecidos em lei. Este procedimento é juridicamente legal, operacionalmente possível e até usual. Mas é difícil ser a melhor solução, pois os recursos arrecadados na venda da parte “boa” nunca cobrem os passivos.
Os recursos arrecadados na venda da parte “boa” nunca cobrem os passivos da parte “podre”
Foi bom para a Gol: ganhou porte, eliminou um concorrente importante, ficando com sua marca, e adquiriu fundo de comércio. Para os credores – funcionários, pensionistas, fornecedores, bancos e o Estado (leia-se, o “cidadão”, pelo menos em tese beneficiário dos impostos devidos pela massa) –, um péssimo negócio. Muito melhor para todos os credores teria sido a solução que a equipe de consultores articulou e construiu integralmente dentro do espírito dos processos internacionais de recuperação empresarial e posteriormente incorporados à Lei 11.101: a maioria (ou totalidade) dos credores converteria créditos em capital, eliminando ou reduzindo substancialmente o passivo; o investidor estratégico do ramo (no caso, a Lufthansa) aportaria novo capital e lideraria uma nova gestão; o investidor financeiro brasileiro (fundo de investimento) aportaria capital de forma a assegurar o controle acionário nacional que a (arcaica) lei local obrigava a existir.
Como resultado, teríamos a Varig viva, com todos os seus ativos – tangíveis, intangíveis, slots, pessoas etc. –, capitalizada, profissionalizada e bem gerida, capaz de pagar passivos restantes, inclusive tributários, com evidente valorização em bolsa, permitindo a recuperação de créditos pela venda das ações, como ocorreu na recuperação da GM, em que até dívidas tributárias foram liquidadas dessa forma. O único perdedor seria o antigo controlador: a Fundação Rubem Berta, a verdadeira responsável pela derrocada da companhia. Nada mais aderente à lógica internacional adiante incorporada à Lei 11.101, que diz que o objetivo de um processo de recuperação é manter a “entidade econômica” funcionando, não havendo nenhuma menção nem preocupação em manter a pregressa “estrutura e propriedade societária”.
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Infelizmente, este foi mais um caso tratado dentro da lógica estrita jurídica da antiga Lei de Concordatas e Falências, em que a incapacidade de pagamento e a recuperação eram temas de um processo estritamente judicial, envolvendo leis, advogados e juízes, sendo os credores caudatários e alheios a ele, razão pela qual a absoluta maioria das concordatas acabava em falência. No caso Varig e mesmo depois dele, ainda estamos, no Brasil, longe da compreensão verdadeira da recuperação empresarial, um processo que deve ser jurídico-gerencial, ou seja, cujo diagnóstico, solução e implementação requerem um conjunto de advogados, administradores, financiadores, investidores, gestores de crise etc., sem esquecer da participação realista e construtiva dos credores para avaliar e aceitar o plano de recuperação, como veio mais tarde a ser preconizado na lei. Este é muito mais do que o controlador pedir desconto, prazo de carência e amortização, cabendo ser um plano de viabilidade e sucesso em benefício dos credores. Nada diferente do que se faz mundo afora. Simples assim, em termos de técnica, realismo, eficácia e resultado.
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