Certos grupos de pressão procuram, há anos, que órgãos da ONU reconheçam o aborto como um “direito humano” – sem sucesso, pois os delegados dos países membros não estão, em sua maioria, de acordo com essa perspectiva. Mas há pessoas que se consideram acima das decisões democráticas e das definições aceitas universalmente para os direitos humanos, e nessa linha se insere a declaração do principal comissário de Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra’ad Al Hussein, ao recomendar aos países com surtos de zika vírus a liberação do aborto em caso de microcefalia, recomendação depois reiterada pelo próprio órgão de Direitos Humanos.
A legislação brasileira, como a de muitos outros países sul-americanos, não prevê o aborto eugênico, ou seja, em caso de gestação de crianças com deficiência. Pelo contrário, a nossa legislação acolhe os direitos da pessoa com deficiência, e não me parece defensável que esses direitos deveriam ser retirados antes do nascimento. Seria ilógico abrir a exceção apenas para a microcefalia, e não abri-la para outras síndromes que acometem nossas crianças; na verdade, a intenção de se abrir a permissão para o aborto em geral fica mal disfarçada.
Além da prevenção, é necessário que se propicie o tratamento adequado para as crianças com microcefalia
Há a agravante de que a microcefalia só pode ser diagnosticada ao fim da gestação, a partir do sexto ou sétimo mês, ou até depois. Basta notar que mais da metade das suspeitas de microcefalia, em crianças já nascidas, não tem sido confirmada. O bebê provavelmente já sobreviveria fora do útero. Será necessário matá-lo antes de retirá-lo, para que não se caracterize o infanticídio. Talvez por isso os grupos que pleiteiam o aborto já não falam em microcefalia, mas o pedem para a “mulher infectada com zika” – ou seja, antes mesmo de um diagnóstico do filho em gestação.
O aborto eugênico é particularmente grave, pela carga de preconceito que traz para com a pessoa com deficiência, como se fosse melhor ela não existir. A jornalista Ana Carolina Cáceres, portadora de microcefalia, relata de forma emocionante o seu percurso até entrar na faculdade e se formar. Em seu depoimento, fica evidente a ofensa que se faz a pessoas como ela ao se defender o aborto nesses casos.
Seria o aborto um alívio para a mãe? É impossível “cancelar” um filho, e temos fortes evidências de que as mulheres ficam marcadas pelos abortos que fizeram; muitas se arrependem depois. Não constitui um ato verdadeiramente livre, pois muitas vezes o aborto é feito em delicada situação emocional, mesmo em desespero. A mãe que está gestante de uma criança com deficiência precisa de apoio médico e psicológico para superar a aflição da notícia, e ponderadamente preparar-se para cuidar desse filho como ele necessitar. Quantas mães (e pais) de crianças especiais relatam o susto do primeiro momento, a posterior aceitação, e as inúmeras alegrias com cada pequena superação no desenvolvimento de seus filhos?
Além da prevenção, é necessário que se propicie o tratamento adequado para as crianças com microcefalia e suas famílias, a fim de minimizar os efeitos de sua deficiência, como já foi previsto pelo Ministério da Saúde. Elas merecem ser acolhidas com amor, reconhecendo-se a sua dignidade e os seus direitos.
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