O eleitor vota no candidato ao Senado que escolheu, mas elege junto com ele outros dois que não escolheu, podendo passar parte do mandato sendo representado por alguém que desconhece
A posse da senadora paranaense Gleisi Hoffmann (PT-PR) como ministra-chefe da Casa Civil marcou o encerramento da crise política envolvendo o ex-ministro Antonio Palocci. A nomeação da jovem senadora, e não a de uma "velha raposa" da política nacional, aponta para a intenção da presidente Dilma em levar para o Planalto um novo estilo político. Por outro lado, esse episódio terminou por reavivar a polêmica sobre um difícil e antigo problema que atinge o sistema de representação parlamentar: o dos suplentes no Senado Federal.
Essa questão envolve a própria tradição política brasileira, historicamente atrelada a uma estrutura socioeconômica que resistiu ao tempo e a algumas das mais importantes transformações vivenciadas pela humanidade nos últimos séculos. Raymundo Faoro, em seu livro Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, analisa essa estrutura, descrevendo-a como um "estamento patrimonialista", ou seja, a consolidação de um quadro administrativo de domínio que sempre representou o governo de uma minoria economicamente privilegiada, que controla e impõe seus padrões de conduta a muitos. Dessa forma, o Estado tornou-se instrumento dos interesses de uma elite dominante ao mesmo tempo em que era reduzido à condição de patrimônio particular. Consolida-se assim o domínio de uma casta de altos funcionários aliada ao patronato político, cujos interesses comuns formam uma associação parasitária, voltada exclusivamente à busca pelo poder do Estado.
Dentro dessa lógica, o loteamento do Estado expressa a apropriação privada do espaço público. A defesa dos interesses particulares sobrepõe-se aos interesses públicos, graças à atuação do poder econômico que financia as campanhas cada vez mais caras de candidatos.
Esse fenômeno explica como que, com a saída da senadora Gleisi Hoffmann, assume sua vaga o suplente Sérgio Souza (PMDB), que não recebeu diretamente nenhum voto dos eleitores paranaenses na última eleição. Para o Senado é eleito aquele candidato que obtiver nas urnas a maioria simples de votos para compor um quadro de três senadores por estado. O critério majoritário aplicado ao Senado determina a eleição do candidato ao cargo acompanhado por dois suplentes. Isso significa que o eleitor vota no candidato que escolheu, mas elege junto com ele outros dois que não escolheu, podendo passar parte do longo mandato de oito anos sendo representado por alguém que desconhece.
A probabilidade de ocorrer essa substituição é enorme, pois os suplentes poderão assumir o mandato nos casos de renúncia, morte ou de cassação do titular. O suplente também assume quando o titular se afastar para ser ministro, secretário de estado ou para ocupar outro cargo. Ainda é prevista a substituição quando o senador se licenciar por mais de 120 dias.
Esse subterfúgio grotesco, embora previsto no texto constitucional, expressa a manipulação desavergonhado do sistema representativo popular, cuja única finalidade encontra-se na perpetuação do referido estamento burocrático. O cinismo desse procedimento despertou a indignação de alguns poucos parlamentares, que, com dificuldades óbvias, o incluíram entre os pontos de reflexão da pretendida reforma política. Atualmente existem cerca de sete propostas de emenda constitucional abordando esta matéria. Uma delas propõe que o suplente de senador deveria ser o primeiro mais votado entre os candidatos não eleitos. Outra pretende instituir a eleição direta de dois suplentes para cada senador, podendo os partidos apresentar até três candidatos para essas duas vagas. Uma terceira proposta quer possibilitar ao eleitor escolher um entre os dois candidatos a suplente registrados com o candidato titular.
A participação popular ocupa um lugar decisivo na construção e consolidação da democracia, na medida em que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". A solução do problema representa a rejeição de um formalismo retrógrado, cuja única razão de continuar existindo é a tentativa de homologar os poderes ilegítimos daqueles que ainda agem como "donos do poder".
Dean Fábio Bueno de Almeida, mestre em Educação e em Direito Econômico e Social, pela PUCPR, é professor de Teoria Geral do Estado na FESP, de Ciência Política na PUCPR, e de Ciência Política e Teoria Geral do Estado na Faculdade de Direito Dom Bosco.
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