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Para combater uma inflação alta, persistente e disseminada, o Banco Central está promovendo o mais forte choque de juros em quase 20 anos. A Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, ainda não terminou seu ciclo de alta, mas já acumula desde a sua mínima histórica uma disparada vertiginosa: de 2% para 11,75% ao ano. Segundo as projeções do Grupo Macroeconômico da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as subidas devem se manter até junho diante das sucessivas “surpresas” inflacionárias, como a interrupção das cadeias de produção, as incertezas fiscais e os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Frente a isso, os impactos nos mercados são os mais diversos. No momento, o Brasil volta a ser um país atrativo para investidores de renda fixa e a segurança que a renda variável não é capaz de garantir. Mas as taxas mais altas pressionam a economia para baixo, pois desempenham um papel-chave na tomada de decisões econômicas, já que interferem nos preços e nos custos de todos os setores da economia. É importante notar que há estreitas relações entre a taxa de juros e as variáveis econômicas chave como inflação, desemprego, taxa de câmbio, fluxos de capital, estrutura da balança de pagamentos e nível da dívida externa e interna. Um aumento na taxa de juros afeta investimento e consumo negativamente e, assim, interfere no crescimento da economia.
Para entender na prática o que isso tudo representa, podemos dizer que a taxa de juros pode ser definida como “o preço” do uso do dinheiro para um determinado período de tempo. Porém, enquanto a taxa de juros for um preço, seu impacto na economia não é limitado para o seu próprio mercado. Assim, enquanto uma mudança no preço do arroz afeta o mercado desse singelo alimento que está rotineiramente na mesa do brasileiro, e uma mudança na taxa do salário atinge o mercado da mão de obra, a mudança na taxa de juros tem implicações muito mais sérias para a economia, porque afeta uma grande variedade de decisões, desde as despesas diárias dos consumidores até decisões críticas de investimentos que abalam a estrutura econômica do país.
Em um país com dívida pública alta, o impacto da alta taxa de juros se ligará diretamente ao aumento da dívida pública e afetará severamente a capacidade do governo para financiar seus projetos de investimento e cumprimento de seus programas econômicos e sociais. Em uma economia aberta, com mercados mundiais altamente integrados, qualquer mudança na taxa de juros pode produzir movimentos nos fluxos de capital estrangeiro de importantes volumes que também podem complicar a condução da política macroeconômica e gerar instabilidade.
Desde julho de 1994, as autoridades brasileiras usam taxas de juros altas como um instrumento para alcançar dois objetivos principais: combater a inflação, restringindo a demanda agregada; e servir como instrumento para atrair capital externo, com a finalidade de cobrir o déficit da conta corrente na balança de pagamentos e aumentar as reservas internacionais. A mesma política, porém, produz efeitos negativos sobre o investimento, aumentando não apenas o déficit do governo e a dívida pública, como também a vulnerabilidade externa da economia brasileira.
Mas vale ressaltar que, embora a inflação no Brasil esteja mais forte que na maioria dos outros países, ver os preços subindo acima das projeções para o ano não é exclusividade da nossa economia. E, enquanto diversos países pelo mundo têm se deparado com inflação crescente, os bancos centrais têm adotado estratégias diferentes. Ao mesmo tempo em que alguns preferem manter os juros inalterados ou subi-los gradativamente, outros têm elevado as taxas com mais força. O nosso país faz parte do segundo grupo. Não por acaso o Brasil tem a segunda maior taxa de juros reais no mundo e só perde para a Rússia, que, em guerra contra a Ucrânia, elevou sua taxa nominal de juros para 20%, em uma tentativa de conter a desvalorização de sua moeda, o rublo.
Um dos principais focos de atenção dos mercados no mundo inteiro é o Fed, dos Estados Unidos. Os juros por lá seguem perto de zero, como forma de estimular a economia em conjunto com o programa de compra de títulos, que injeta dinheiro na economia norte-americana há vários meses. O Fed tem apontado em seus comunicados que a prioridade é o restabelecimento do mercado de trabalho, indicando tolerância com uma inflação que seria “transitória”. No entanto, dados recentes têm mostrado uma alta de preços mais forte que o esperado.
A expectativa é que o ciclo de alta de juros nos Estados Unidos termine com a taxa em torno de 3% ao ano em 2023, encerrando 2022 entre 1,75% e 2%, com novas elevações nas próximas reuniões do Fed. Entretanto, o efeito inflacionário da guerra na Ucrânia pode piorar o quadro e exigir um patamar ainda maior.
A conclusão que temos é que, uma vez superada a pandemia – e aparentemente estamos cada vez mais perto disso –, as coisas voltam a uma certa normalidade. Há uma ameaça de inflação alta que precisa ser combatida, mas não vai ser no curto prazo. E a guerra que se prolonga na Europa Oriental só distancia ainda mais essa realidade.
Rafael Goes é administrador, COO da GoesInvest e especialista em Business Finance pelo Merton College, da Universidade de Oxford. Tatiana Goes é empreendedora, economista, CEO da GoesInvest e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade de Harvard.