| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
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Muito vem sendo discutido sobre os impactos negativos da crise desencadeada pela pandemia do coronavírus nas mais diversas atividades e contratações. Ainda não são completamente mensuráveis suas consequências. Não se sabe qual vai ser a extensão, mas, de antemão, há setores de infraestrutura apresentando cenário imediato (com extensão de até médio ou longo prazo) muito preocupante, e que precisarão de celeridade e bom senso para evitar o agravamento da situação.

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Dados coletados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, já dão conta da grande redução de trânsito de veículos e caminhões em muitas rodovias pelo país, achatando a remuneração das concessionárias. As empresas já vêm insistindo junto à ANTT para postergação de verbas contratuais, alteração de parâmetros de desempenho e cronograma de investimentos, como forma de reduzir os impactos nas concessões.

A ANTT tem manifestado, em princípio, intenção de analisar rapidamente, caso a caso, para aferir os efetivos impactos nos contratos. É preocupante, porém, a visão pretérita da agência (formada em contexto absolutamente diverso do atual) que, em projetos de infraestrutura rodoviária (que são ativos de longo prazo), as variáveis dos ativos podem ter permanecido as mesmas da análise da viabilidade do projeto na época da licitação.

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Aqui, a discordância será evidente: nunca, em nenhum estudo que tenha sido feito de viabilidade das concessões, poder-se-ia afirmar que qualquer das concessionárias previu impactos como os atuais, até porque não haveria proposição que se sustentasse em uma concorrência se elas fossem incluir tamanhos ônus nos projetos licitados.

No setor elétrico, por sua vez, as consequências negativas são ainda mais preocupantes, pois elas são imediatas. As distribuidoras de energia tiveram, segundo o Ministério de Minas e Energia, apenas nos 45 dias iniciais da pandemia, inadimplência de 14% (ordinariamente ela é de 3%), totalizando cerca de R$ 2 bilhões. A falta de receita suficiente pode gerar problemas na prestação dos serviços, com reflexos inclusive no fornecimento de energia, o que atingiria diretamente a população.

Um terceiro viés – certamente o mais atingido de todos – centra-se na análise dos contratos de infraestrutura de aviação civil. Claramente este está sendo o segmento mais afetado pela pandemia. Da média de 2,5 mil voos diários (domésticos e internacionais) em aeroportos brasileiros, passou-se para pouco mais de 200 voos por dia, com impactos enormes nas concessões aeroportuárias, reflexo da gigantesca redução do transporte aéreo. De 153 aeroportos operantes no Brasil, passou-se a 48 aeroportos após a pandemia e, mesmo assim, sem voos diários em todos eles. Isso significa 93% de redução da capacidade total do setor.

Uma das medidas para os contratos de infraestrutura do setor de aviação foi a prorrogação do pagamento das outorgas dos aeroportos, que venceriam em sua maioria no meio do ano e foram diferidas para dezembro; porém, certamente quando do novo vencimento o setor aéreo (entendido aqui como companhias e concessionárias de aeroportos) mal terá iniciado sua recuperação, que é estimada, em cenário otimista, em três a quatro anos.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) reconhece que a pandemia é típico caso fortuito ou força maior, cuja responsabilidade recai no ente público, e não sobre o privado. Esta linha de entendimento, aliás, foi afirmada recentemente no Parecer 261/2020/Conjur-Minfra/CGU/AG, emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU), em consulta formulada pela Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias, vinculada ao Ministério da Infraestrutura, que questionou, basicamente, se os efeitos da crise suportados pelos vários setores de infraestrutura constituem força maior para justificar reequilíbrios econômico-financeiros dos contratos de concessão atingidos.

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A AGU reconheceu no parecer que, apesar de o concessionário exercer a atividade por sua conta e risco, o contrato não transfere necessariamente ao particular todos os riscos do empreendimento, de modo que, salvo disposição contratual em sentido diverso, o concessionário assume os riscos ordinários (“álea ordinária”) do negócio e o poder público concedente assume os riscos extraordinários (“álea extraordinária”), nos quais naturalmente se inserem os efeitos da pandemia, que representam caso fortuito ou força maior.

Outra preocupação da Anac quanto às licitações de infraestrutura aeroportuária diz respeito à sexta rodada de concessões dos aeroportos, que já estava em tramitação adiantada, com previsão dos leilões para o segundo semestre deste ano. A Anac já externou que isso acabará atrasando, pois ela está refazendo os estudos de viabilidade dos contratos a serem licitados, visto que o cenário da aviação civil será bastante distinto do que havia sido previsto no ano de 2019. A agência já pensa, inclusive, em flexibilizar requisitos nas licitações, para atrair mais concorrentes nos leilões.

Todos estes setores de infraestrutura, severamente atingidos, têm preocupação comum: a necessidade de segurança jurídica para se possibilitar a retomada de investimentos. Especialmente para novos competidores em licitações, o interesse maior ou menor do mercado decorrerá, em grande parte, do tratamento que for dado aos concessionários atuais pelos entes concedentes e pelos agentes regulatórios.

Justamente por todos esses graves problemas haverá grande importância dos processos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos. Os efeitos da pandemia são claros e, evidentemente, nenhuma empresa ou órgão público previu consequências negativas desta magnitude nas propostas das licitações que levaram às suas contratações.

O déficit financeiro para os contratados no setor de infraestrutura é flagrante e vultoso, precisando ser reparado de alguma forma (célere), sob pena da quebra de muitas empresas ou da paralisação de serviços e obras de infraestrutura. Se nada for feito em curto espaço de tempo, imagine-se se os efeitos negativos se prorrogarem, por exemplo, no setor de saneamento, que já é extremamente carente no país. Ao tempo em que se discute no Congresso Nacional – em fase final – o novo marco legal de saneamento, visando à universalização do saneamento básico no Brasil, surgiu esta gravíssima crise, não apenas retardando novos projetos no setor, como também colocando em risco os que estão em andamento. Esse é apenas um setor impactado, cuja continuidade satisfatória tem grande relevância – continuidade que necessitará de rapidez na solução dos pleitos de desequilíbrio das empresas contratadas.

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Veja-se que não se trata apenas de discussão quanto a fato do princípioteoria da imprevisão etc., para fins de reequilibrar os contratos nas proporções em que foram atingidos. Pelo lado empresarial da contratação, aliado às teses jurídicas citadas, agrega-se a noção da frustração do próprio fim do contrato e/ou a onerosidade excessiva ao particular contratado, sendo todas estas perspectivas de análise do tema paralelas (não excludentes) entre si.

Em síntese, deve-se ter em mente que todos os contratos administrativos que estão em andamento basearam-se, para se chegar ao equilíbrio na proposta vencedora, em previsões de despesas, receitas, fluxos etc., que foram alterados. Em muitas destas situações as despesas se ampliaram e/ou receitas e fluxos escassearam. Como consequência desta disparidade dos elementos da equação econômico-financeira do contrato, estará violado, inclusive, o lucro do contratado, o que não é aceitável, na medida em que, mesmo em cenário de retração econômica desta magnitude, não se pode pretender sacrificar a remuneração positiva de quem presta o serviço público ou executa a obra pública, quando o fez dentro do esperado na sua contratação.

E mais: não se pode alegar no contexto atual que, no caso de concessões, por exemplo, o risco de demanda recai sobre o concessionário e, portanto, ele não poderá, sob esse fundamento, requerer reequilíbrio agora. Tal argumento não se sustenta, na medida em que o risco de demanda de uma concessão é previsível até determinado limite, que não é nem próximo do observado atualmente.

Indague-se, por exemplo: algum estudo de viabilidade de concessões aeroportuárias previu redução de 93% dos voos (e consequente redução das receitas aeroportuárias na mesma proporção)? Certamente que não e, indo mais além, certamente não houve previsão de redução de demanda nem próxima disso, pois isso inviabilizaria a própria concessão desde a sua origem.

Ou seja, não se quer imunizar o particular em relação aos efeitos da pandemia, porém, trata-se de recolocá-lo na mesma situação de equilíbrio contratual que havia anteriormente ao fato imprevisível que aconteceu. E, uma vez presentes os fundamentos já demonstrados no recente parecer da AGU sobre o assunto (reconhecendo que os efeitos do coronavírus podem ser passíveis de revisão extraordinária do contrato), caberá às agências reguladoras, em conjunto com as concessionárias, mensurarem os reais efeitos econômicos acarretados pela pandemia, atentando também que a possível curva de retorno de utilização destes serviços seja elevada gradativamente, e não de forma imediata, após a finalização dos efeitos das medidas de distanciamento social.

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André Bonat Cordeiro é advogado especialista em Direito Administrativo e mestre em Direito Empresarial e Cidadania.