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Há uma lição deixada pelo político e filósofo romano Marco Túlio Cícero que seria muito útil aos governantes: “O orçamento deve ser equilibrado, o tesouro público deve ser reposto, a dívida pública deve ser reduzida, a arrogância dos funcionários públicos deve ser moderada e controlada, e a ajuda a outros países deve ser eliminada, para que Roma não vá à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver às custas do estado”.
Marco Túlio viveu antes de Cristo, e até hoje os governantes brasileiros não aprenderam esse seu ensinamento. Nos últimos 35 anos, o que fizeram eles? Elevaram a carga tributária de 23% para 32,44% do PIB, um aumento de 41%. Como se negam a fazer o controle, esses gastos hoje ultrapassam 43% do PIB (32,44% da arrecadação tributária, somados a 0,56% dos dividendos recebidos das estatais e a 10% de déficit público nacional). Neste ano de 2024, o país deve registrar um crescimento do PIB 3,1% maior que o ano anterior e uma inflação preocupante de 4,3% — ficando perto do limite legal. Significa que o governo terá um gasto que superará R$ 5 trilhões, tirando cada vez mais dos bolsos dos cidadãos, somente para rolar as dívidas que a gestão alimentou, para gastar cada vez mais e para manter privilégios, deixando em segundo plano o combate à corrupção. E, pior, devolvendo à população os piores serviços entre as 30 nações com maior carga tributária do planeta.
Houve, portanto, uma clara opção pelo orçamento desequilibrado, receita certa para o fracasso administrativo. Por incompetência ou desleixo, os governantes foram e continuam sendo responsáveis pela explosão da dívida pública, hoje crescendo vertiginosamente e de forma descontrolada, sem que tenham sido adotadas medidas sérias para buscar o controle e reduzir a gastança.
Como se não bastasse, reina a arrogância. Ninguém é capaz de fazer um mea culpa, reconhecer que o caminho atual não deu certo e trilhar outro caminho. O governo brasileiro precisa reduzir ufanismos propagandísticos e atuar com base na realidade, visando à redução de privilégios e gastos. A solução certamente não está em planos elaborados com o objetivo de apenas garantir sucesso em eleições e reeleições. Os novos rumos exigem a implantação urgente de políticas públicas que levem efetivamente à redução das desigualdades regionais, sociais e educacionais. Essas sim, junto com os problemas ambientais, são os verdadeiros desafios da nação e não podem continuar deixados de lado. O povo brasileiro está gritando por socorro há décadas, ora sendo ignorado, ora sufocado, e agora a natureza também grita em razão de incêndios e da destruição de florestas, do bioma pantaneiro, de nosso patrimônio nacional. É um grito que não pode mais ser ignorado.
O governo brasileiro precisa reduzir ufanismos propagandísticos e atuar com base na realidade, visando à redução de privilégios e gastos. A solução certamente não está em planos elaborados com o objetivo de apenas garantir sucesso em eleições e reeleições
O Brasil adotou um modelo autodestrutivo, no qual os donos do poder e seus amigos protegidos vivem do Estado. Desaprenderam a trabalhar e se dedicam a procurar a vitaliciedade nos cargos que ocupam, almejando, se possível, a hereditariedade. Os governantes recusam-se a aprender as lições fornecidas ao mundo por grandes pensadores e líderes mundiais ao longo da história. Exemplos não faltam.
Empréstimos a países insolventes e historicamente inadimplentes continuam se repetindo não por socorro humanitário, mas para satisfazer interesses de nações alinhadas ideologicamente. Tal política obviamente onera a população brasileira, porque governos não geram riquezas, apenas gastam riquezas custeadas pelo povo.
Nas últimas três décadas e meia, os governos e governantes foram muito eficientes em diminuir sensivelmente a renda dos brasileiros. Fizeram isso por meio do aumento dos tributos sobre o consumo — provavelmente, o Brasil terá em breve a maior alíquota do mundo — e ainda tributando a inflação ao não aplicar a correção correspondente das tabelas do Imposto de Renda. O resultado: hoje, 60% dos brasileiros vivem com até um salário-mínimo (R$ 1.412,00), ou seja, apenas R$ 43,53 por dia. A situação não é diferente para os 30 milhões de aposentados e pensionistas. Atualmente, 70% deles têm renda mensal de um salário-mínimo e ainda convivem com a ameaça constante de perderem percentual desse valor. Outros 5,8 milhões de brasileiros vivem com a ajuda de um salário-mínimo por meio dos Benefícios de Prestação Continuada (BPCs).
Difícil acreditar que essa grande maioria da população tenha liberdade política ou econômica, pois, como ensinou o economista e filósofo canadense/norte-americano John Kenneth Galbraith, “nada mais eficaz para limitar a liberdade, incluindo a liberdade de expressão, como a total falta de dinheiro”. Galbraith (1908-2006) ainda alertava: “Liberdade política sem liberdade econômica é ilusão”.
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No entanto, não é apenas com a absurda tributação sobre consumo que o governo subtrai a renda do cidadão. Também faz isso com a tributação excessiva sobre geração de empregos, devido às pesadas cargas trabalhista e previdenciária. Há outro agravante: a geração irresponsável de déficit público nominal, hoje já superior a R$ 1,1 trilhão/ano (dado de 2023), o que obriga novos endividamentos e, consequentemente, mais juros e menos serviços à população, porque faltarão recursos.
A situação de penúria da grande maioria da população brasileira é fácil de ser comprovada. Em 2023, a renda média per capita na região Norte foi de apenas R$ 1.302,00/mês, inferior a um salário-mínimo. No estado do Amazonas, foi ainda menor: apenas R$ 1.166,00/mês, o correspondente a 81% do salário-mínimo. A situação é igualmente crítica na região Nordeste, onde a renda média mensal é de R$ 1.146,00/mês. Alguns exemplos: na Bahia, é de R$ 1.129,00/mês; no Ceará, de R$ 1.140,00/mês; em Sergipe, de R$ 1.198,00/mês, e no Maranhão, somente R$ 969,00/mês, a menor delas, correspondente a 69% do salário-mínimo.
O político e escritor norte-americano Harry Browne (1933-2006) escreveu que “O governo é bom em uma coisa, ele sabe como quebrar as suas pernas para depois lhe dar uma muleta e dizer: veja, se não fosse pelo governo você não seria capaz de andar”. Pois o governo brasileiro, depois de tirar a renda do cidadão, oferece-lhe muletas como o vale-gás, vale-dignidade menstrual, bolsa família e outros “benefícios sociais” que, embora ajudem os mais necessitados — e devemos todos ser favoráveis a isso —, não são capazes de dar-lhes independência e dignidade. Pelo contrário. Essa situação cria as condições ideais para 40% da população brasileira com renda baixíssima se transformar em massa de manobra, o que obviamente não é bom para a democracia.
O conhecimento torna o homem inservível para ser escravo, escreveu Frederick Douglas, abolicionista, estadista e escritor norte-americano (1818-1895). Entretanto, a educação como salvação é tema que aparece somente nas promessas em época de campanha eleitoral. O que vemos na prática têm sido políticas públicas comandadas pelo compadrio e não por meritocracia e experiência na área educacional.
Daí o desastre do Brasil nas avaliações do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a cada três anos. Nesse ranking, o Brasil tem oscilado entre a 65ª e a 69ª posição entre os 80/90 países avaliados. Nosso desempenho também é pífio entre os países da América Latina, pois o Brasil permanece há anos entre a 8ª e 9ª posição.
O ensino em tempo integral, que seria um passo importante para mudar essa triste realidade, ficou na promessa de implantação rápida. Hoje, apenas de 10% a 12% dos estudantes da rede pública do país dispõem de escolas em tempo integral. Com outra questão grave — a péssima remuneração dos professores —, o ensino público não evolui. Acaso, incompetência ou temor de que o conhecimento liberte?
Há, ainda, outro grave problema nacional que a história não foi capaz de dar cabo: a corrupção. Nesse período recente da vida nacional, dezenas de bilhões de reais foram subtraídos dos serviços públicos pela prática da corrupção. Escândalos como o dos Anões do Orçamento, do Mensalão, do Petrolão, do Eletrolão, dos Correios, e os esquemas revelados pela Operação Lava Jato vêm se sucedendo, ano após ano, sem que a nação assista à punição efetiva dos envolvidos. Não faltam anistias, prescrições e anulação de condenações, inclusive após julgamento nas cortes superiores — apesar dos acordos de delação premiada e de leniência, com bilhões de reais devolvidos por empresas que confessaram a prática —, tudo alimentando na sociedade a falsa sensação de que o crime compensa.
Nesse aspecto, é preciso prestar atenção à frase atribuída ora ao humorista, escritor e dramaturgo Jô Soares (1938-2022), ora a Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF: “A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”. Seja quem for o verdadeiro autor, deu-nos uma lição. A História, aliás, está repleta delas. É preciso, entretanto, ter humildade para aprender.
Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos