Os pré-candidatos do Tea Party se apresentam como epígonos de Ronald Reagan, mas não passam de discípulos falsos – e a cidade que depredam é a herança política de seu herói

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Os milharais de Iowa já serviram de cenário para filmes de terror de terceira classe. Na sua mediocridade, nenhum se compara ao espetáculo proporcionado pelos pré-candidatos republicanos que disputaram as primárias de anteontem. A julgar por ele, os republicanos "se transformaram num bando selvagem, louco, do qual emanam noções excêntricas e irresponsáveis que os colocam à margem da corrente principal da política americana", como escreveu Michael Medved, um analista conservador. De fato, em Iowa triunfou Nêmesis, a deusa da retaliação: a primária inicial da campanha republicana assinala o fracasso do movimento conservador abrigado sob a abóbada do Tea Party.

Medved se referia especificamente a Ron Paul, um ponto fora da curva mesmo pelos padrões do Tea Party. Paul é um libertário, no curioso sentido que o termo adquiriu nos EUA. Isolacionista radical, pacifista extremado, o texano atraiu um cortejo de adeptos antissemitas, arautos das conhecidas teorias conspiratórias sobre o 11 de Setembro que fazem tanto sucesso entre esquerdistas e ultranacionalistas brasileiros. Contudo, efetivamente, ele articulou sua campanha em torno da proposta de abolição do Banco Central e da ideia de "anulação", um suposto direito dos estados de rejeitar leis federais das quais discordam. A ideia condensa um desejo de retorno à época da Crise da Anulação de 1832, quando o presidente Andrew Jackson enfrentou um ensaio de insurreição tributária da Carolina do Sul.

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Abstraindo-se o folclore sombrio, Paul não está tão distante dos demais pré-candidatos da direita republicana — isto é, todos eles, com a exceção parcial e qualificada de Mitt Romney. O programa utópico que os aproxima é o impulso de suprimir a história americana, restaurando uma mítica idade de ouro anterior à democracia de massas e reinventando o país de colonos protestantes (e brancos) submerso no oceano da modernidade. As diferenças incidem apenas sobre o lugar do passado selecionado por cada um como momento perfeito da operação restauradora.

Rick Perry, governador do Texas, soou as trombetas de uma guerra contra a imigração ilegal, prometendo empregar drones (aeronaves não tripuladas) e deslocar milhares de tropas para selar a fronteira com o México. Newt Gingrich, apertando com todos os dedos a tecla do nativismo, sugeriu transferir para comissões municipais a prerrogativa de decidir sobre o destino dos imigrantes, enquanto Michele Bachmann insistia no projeto de uma cerca impenetrável ao longo de toda a extensão da fronteira meridional. Rick Santorum, por sua vez, ergueu o estandarte da "Fé, Família e Liberdade", convertendo o palanque eleitoral em púlpito de uma pregação antissecularista expressa em linguagem fundamentalista. Abraham Lincoln e a Guerra Civil? Franklin Roosevelt e o New Deal? Lyndon Johnson e a Lei de Direitos Civis? O "bando selvagem" de pré-candidatos do Tea Party não alcançou um consenso, mas eles estão convencidos de que o declínio dos EUA começou em algum desses três episódios catastróficos da trajetória da nação construída pelos colonos originais.

Na mitologia grega, os epígonos são os filhos dos Sete Contra Tebas, que conquistaram e destruíram a cidade, vingando a morte de seus pais. Os pré-candidatos do Tea Party se apresentam como epígonos de Ronald Reagan, mas não passam de discípulos falsos – e a cidade que depredam é a herança política de seu herói. Reagan era um conservador solar, avesso à melancolia raivosa dos nativistas e fanáticos religiosos. "Um governo não pode controlar a economia sem controlar as pessoas" – uma de suas linhas mais célebres sintetizava a insurreição conservadora contra a expansão das políticas sociais, mas não excluía o pragmatismo nem impedia compromissos bipartidários: sua reforma tributária de 1986, que contou com amplo apoio dos democratas, aumentou os impostos incidentes sobre as empresas. Em contraste, os epígonos insistem, como doutrinários incuráveis, numa receita suicida de equilíbrio orçamentário baseada exclusivamente em cortes de gastos públicos.

O sistema americano de primárias tende a inclinar os candidatos para as margens do espectro político, onde se situa a base militante dos partidos. À primária republicana de Iowa acorre, geralmente, menos de um sexto dos 645 mil eleitores registrados do partido e, em 2008, a idade média dos participantes girava em torno de 60 anos. Os milharais formavam, em tese, o cenário ideal para o Tea Party impor uma fragorosa derrota ao moderado Romney — que, além de tudo, é um fiel da igreja mórmon. Contudo, dessa vez, assistiu-se a uma inversão de papéis: os discursos extremistas do "bando selvagem" do Tea Party convenceram parcela significativa dos participantes de que tais personagens carecem de viabilidade na futura disputa presidencial. O insucesso dos radicais na primeira batalha praticamente define os rumos da campanha inteira. Romney, que prudentemente ficou acima da briga de facas, deve ser coroado desafiante de Barack Obama nas primárias da Flórida, em menos de um mês.

Os marqueteiros de Obama se deliciaram com o espetáculo falimentar oferecido pelo Tea Party e, ansiosos, aguardam as imagens das inevitáveis reverências que Romney fará ao "bando selvagem". Contudo, eles sabem que Iowa terá escassa influência sobre uma disputa presidencial na qual Romney pode até mesmo triunfar por default. A relevância do que aconteceu em meio aos milharais não se traduz na escala das circunstâncias eleitorais, mas na da história política americana. A "revolução conservadora" deflagrada por Reagan percorreu um ciclo degenerativo completo, estiolando-se como uma virulenta utopia regressiva. Os epígonos nada têm a oferecer à nação – embora, mais do que nunca, sejam capazes de contaminar a sociedade americana com o vírus da intolerância e o sistema político do país com o da paralisia.

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Demetrio Magnoli é doutor em Geografia.