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O estudo da segurança pública, ao menos sob o ponto de vista técnico, é invariavelmente assentado em indicadores. São números e índices que, contabilizando ocorrências em absoluto ou as taxas de repetição por segmento populacional, traduzem a realidade de uma nação, balizando as políticas públicas implementadas pelos órgãos governamentais. O principal desses indicadores, tomado mundialmente como diretriz prioritária para estudo, é a taxa de homicídios, calculada por 100 mil habitantes.

No Brasil, as taxas de homicídios ao longo dos anos podem ser colhidas no DataSUS, banco de dados vinculado ao Ministério da Saúde, no qual os óbitos são registrados em associação às suas respectivas causas, dentre as quais as “agressões”, subdivididas em inúmeras variáveis, inclusive os “disparos de arma de fogo”. É um sistema complexo, cujas consultas demandam certo trabalho de pesquisa e familiaridade com o assunto, diante de tantas opções de filtro.

Justamente diante dessa dificuldade de pesquisa direta, tornou-se bastante popular no país o Mapa da Violência, estudo periódico que traz, já selecionados, todos os indicadores da violência homicida, acompanhados de abordagens segmentadas por causas e grupos populacionais específicos. Mais que popular, o Mapa se consolidou como referência do quadro de violência no país, sendo adotado pelos próprios órgãos públicos, especialmente o Ministério da Justiça.

Conclusões deturpadas favorecem a adoção de políticas públicas equivocadas

Ocorre que essa referência pode estar equivocada. Ao menos é essa a hipótese que surge da análise de uma das mais recentes – e mais repercutidas – edições do estudo, publicada em 2015, sob o título “Mortes Matadas por Armas de Fogo”. O questionamento à veracidade dos dados deriva da constatação de que, nas tabelas em que estes são apresentados, há errônea indicação de variação porcentual. Não se trata de questionamento quanto aos números que embasam o estudo, mas de equívoco matemático direto.

Em sua tabela mais importante, registrando as taxas de homicídio por arma de fogo entre 2002 e 2012, o Mapa aponta que o país saiu de um indicador de 21,7/100 mil (2002) para 21,9/100 mil (2012), isto é, uma variação de 0,92%. No entanto, a tabela aponta uma evolução bem menor, de apenas 0,5%. O mesmo erro aritmético se repete quanto à evolução direta entre os anos de 2011 e 2012 – ali também destacada –, quando a taxa passou de 20,1/100 mil para 21,9/100 mil, ou seja, um incremento de 8,96%, mas que foi registrado como 8,6%. São inconsistências que derivam de aproximações indevidas e sem padrão no cálculo das taxas de cada um dos estados totalizados, resultando, em face do somatório para o cômputo nacional, numa conta que não corresponde à realidade dos próprios valores da tabela.

Em um estudo que se tornou referência para o panorama homicida nacional, equívocos como os supramencionados são significativamente danosos, especialmente porque transparecem inegável inconsistência ou, ao menos, desatenção na revisão dos dados, o que é grave. Afinal, como salientado, o Mapa da Violência, atualizado anualmente, é tomado como parâmetro primordial para o governo avaliar medidas de segurança pública e buscar novas soluções para a frenagem da violência.

Disso resulta que, se os dados que compõem o Mapa apresentam fragilidade, abre-se espaço para conclusões deturpadas, tornando inalcançável a exata compreensão do grave fenômeno homicida no Brasil e, com isso, favorecendo a adoção de políticas públicas equivocadas. O grande perigo é que, nessa área, incompreensões têm como consequência justamente ainda mais mortes.

Fabricio Rebelo é coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes) e autor de “Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil”. Nicolau Bender é acadêmico de Direito e pesquisador em segurança pública.
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