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 | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Ninguém pode se dizer surpreso com o que a Lava Jato está trazendo à tona. Todos nós, mais ou menos, sabíamos que campanhas políticas, licitações e negócios públicos em nosso país seguiam desvios e muitas vezes ignoravam princípios éticos. Faltavam as provas e os depoimentos que agora surgem a cada dia.

Ética vem do grego ethos e significa caráter. Em filosofia, é aquela parte responsável pela investigação dos princípios que motivam, disciplinam e orientam o comportamento humano. Olhando para o Brasil de hoje, as perguntas vêm automaticamente: O que aconteceu com o nosso caráter? Onde erramos?

Algum tempo atrás, antes de entrar em uma reunião, pediram para deixar os celulares do lado de fora. Elogiei a decisão: “Que bom, assim ninguém vai se distrair olhando o celular toda hora para checar e-mails e mensagens!” A verdade veio a seguir: “Não, estamos preocupados em evitar que alguém grave a conversa. É por segurança”.

Quando se trabalha de forma correta, sem jeitinhos, sem vantagens indevidas, não há com o que se preocupar

Essa é uma distorção ética. O problema não é a gravação. É o conteúdo. Quando se trabalha de forma correta, sem jeitinhos, sem vantagens indevidas, não há com o que se preocupar. Os celulares podem ser acionados sem problema porque quem está ali trabalha por uma sociedade melhor e com a certeza de que sua decisão será capaz de disseminar uma cultura ética nos negócios que só irá favorecer a empresa e seus produtos.

Mas ainda estamos bem longe disso, até porque é difícil mensurar os resultados que a cultura ética pode incorporar à empresa. O impacto real da ação ética no faturamento e crescimento das empresas está no comprometimento dos funcionários com essa cultura. Quanto mais comprometidos, mais vão se esforçar para que os negócios cresçam e a empresa avance. Sabem que é melhor ser remunerado por valores justos pelo seu trabalho do que receber valores altos pagos de forma irregular.

Queremos que os nossos filhos, os filhos da Lava Jato, cresçam sem valorizar, entender e seguir valores éticos? Preocupados com a gravação de reuniões? Que sejam homens e mulheres sem caráter? Descomprometidos com resultados? O que importa agora é mudar. Mudar o comportamento, o pensar e o agir em nossa casa, na empresa, na comunidade com a qual convivemos, na sociedade.

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Não estou pregando utopias. Basta lembrar o passado recente. Antes, toda sala de reunião, cinema, teatro tinha uma placa de “proibido fumar”. Hoje isso não é mais necessário: todos sabem que nesses locais não se fuma porque faz mal à saúde e se deve respeitar o direito da maioria.

Mas temos um longo caminho a seguir. E a estrada passa pela educação. Ética tem de ser um aprendizado incorporado ao currículo escolar. Não cabe apenas aos pais ensinar, mas aos professores também. O conceito de uma sociedade ética precisa ser incorporado pelas novas gerações, valorizado e entendido desde os primeiros anos escolares. Só assim seremos capazes, daqui a 20, 30 anos, de entrar em uma sala de reunião com smartphones de última geração sem nos preocuparmos se nossa conversa for gravada, porque faremos parte de uma geração com valores éticos. Uma geração com caráter.

Marcelo Gomes é diretor-presidente da Alvarez&Marsal no Brasil.
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