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Os filmes de Hitchcock ajudam a aliviar nossas culpas?

Cena do filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. (Foto: Divulgação/Universal Pictures)

Meu grande ídolo é Woody Allen, mas, como cineasta, considero Alfred Hitchcock o maior de todos os tempos. Vários dos meus filmes favoritos são dele: Um corpo que cai, Janela indiscreta, Psicose, Frenesi, Os pássaros, Intriga internacional, A dama oculta, entre outros.

O velho Hitch ficou conhecido como o mestre do suspense. Sem dúvida nenhuma, a maioria dos seus filmes pertence a esse gênero, que ele dominava como ninguém. No entanto, a tese que vou aqui defender é a de que o tema essencial de sua obra é a culpa. Assim, alternativamente, ele poderia ser chamado de "o mestre da culpa".

Qual é a trama típica de seus filmes? É cometido um assassinato e um indivíduo é injustamente acusado de ser o autor do crime. O falso culpado, então, tenta encontrar o verdadeiro criminoso, ao mesmo tempo em que é perseguido pela polícia. O final quase sempre é feliz: o protagonista é inocentado e o assassino morre ou vai para a cadeia. Intriga internacional talvez seja o melhor exemplo desse modelo.

A injusta perseguição de que o personagem é vítima remete o espectador às suas próprias angústias e culpas

A culpa não estava apenas em seus filmes, mas também em sua alma. Em entrevistas, Hitchcock adorava contar uma história de sua infância. Aos 4 ou 5 anos de idade, ele havia feito alguma travessura e, em função disso, seu afetuoso pai o mandou a uma delegacia de polícia com um bilhete. O delegado leu e, em seguida, trancou o jovem Hitch numa cela por alguns minutos – que devem ter parecido uma eternidade –, dizendo a ele: “Veja o que se faz com os meninos maus”.

Já adulto, Hitchcock dizia que sentia muito medo de policiais e que jamais aprendera a dirigir um automóvel para não correr o risco de ser abordado por um agente da lei. Porém, na sua obra, conseguiu, de certa forma, se vingar: em seus filmes, a polícia é em geral incompetente e quase nunca consegue descobrir quem é o criminoso.

Embora tenha nascido na Inglaterra, Hitchcock era de uma família católica, tendo sido, inclusive, educado em uma rigorosa escola de padres jesuítas, que puniam os maus comportamentos com a palmatória. Em alguns filmes, ele também parecia querer dar o troco na Igreja. Um exemplo disso está em A tortura do silêncio, no qual um homem se confessa com um padre, revelando ter matado alguém. Por ironia, o padre é acusado desse crime, mas não pode entregar o verdadeiro assassino, devido ao sigilo do sacramento da confissão. Já em Trama macabra, seu último filme, um bispo é sequestrado em uma catedral no meio de uma missa que celebrava.

Acredito que os filmes de Hitchcock sempre foram tão populares porque promovem nos espectadores o alívio de suas culpas. Explico: a religião nos ensina que todos somos pecadores. Mal nascemos e já somos acusados do pecado original. Ela nos ensina, ainda, que não é necessário que a pessoa faça algo de errado para merecer punição. Basta desejar ou apenas imaginar. Freud, por sua vez, nos mostrou que as regras e proibições morais são internalizadas pelo indivíduo e constituem grande parte de uma estrutura intrapsíquica que ele chamou de superego. Este está sempre monitorando e julgando nossas ações, pensamentos e desejos, mesmo os inconscientes, e, com grande frequência, nos pune com autossabotagem, ansiedade ou, simplesmente, sentimento de culpa.

Ou seja, temos um algoz implacável dentro de nós. Na trama típica dos filmes hitchcockianos, o falso culpado, embora esteja involuntariamente envolvido em uma situação extraordinária – assassinatos em série ou espionagem internacional –, não tem os poderes de um super-herói. É apenas uma pessoa comum, com emprego, família, cachorro e contas para pagar. Assim, por ser tão prosaico o personagem, é fácil para o espectador se identificar com ele. A injusta perseguição de que o personagem é vítima remete o espectador às suas próprias angústias e culpas. No final, quando o verdadeiro criminoso é punido e o protagonista é inocentado, o espectador se sente desculpado, redimido, talvez até purificado.

Elie Cheniaux, psiquiatra e escritor, é professor de pós-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da UFRJ, onde coordena o laboratório de pesquisa sobre o transtorno bipolar, e professor da pós-graduação em Ciências Médicas da Uerj.

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