Eu sei que essa época do ano é o momento dos grandes planos de mudança na vida: emagrecer, parar de fumar, parar de comer carne vermelha em nome do amor aos animais ou do ódio aos vegetais, nunca mais amar ou se apaixonar pela primeira vez, ou quem sabe experimentar sexo com seu golden retriever numa noite de vodca e “doces”, comprar um carro ou vender todos os carros em nome do modo Uber de viver, falar menos no celular e ser, ao mesmo tempo, mais conectado com o mundo, se mudar pra uma praia na Bahia (mas que tenha wi-fi!), enfim, um monte de projetos que falam mais de nossos limites do que de nossos horizontes.
Compreendo que ritos como esses nos fazem algo de bem. Sentimos que escapamos um pouco do esmagamento cotidiano de uma vida traçada pelas obrigações que esvaziam nossas esperanças de liberdade.
Mas, não quero falar do óbvio fracasso desses projetos. Aliás, projetos pautados por paixões tristes como ódio e inveja costumam ser mais duradouros do que aqueles pautados por paixões alegres como amor e generosidade. Somos mais facilmente fiéis a quem odiamos do que a quem amamos.
Quero pensar com você nesse início de ano numa nova forma de ciência, aquela ainda sem nome, mas que tem por objetivo fazer de nós humanos máquinas de projetos de vida. Estou cada vez mais convencido de que fazer planos muito precisos para o futuro nos adoece.
Talvez em alguns anos a medicina descubra que pessoas que fazem muitos planos para o futuro morrem de câncer no cérebro.
Sei, sei. Minha ideia parece um absurdo porque cada vez mais se prega que você deve inclusive ter muito claro para você quanto você quer ganhar nos próximos 20 anos.
Ou onde você pretende passar as férias de fim de ano de 2027. Ou calcular o quanto de bem-estar você sentirá se comer dez ou mil calorias por semana.
A assertividade para com um futuro controlado aparece no sorriso idiota dos comerciais de bancos, assim como na fé abestalhada dos evangélicos que creem de fato que Jesus seja um excelente consultor de sucesso profissional. Também sei que “inteligentinhos” de todos os tipos acham que isso tudo é culpa do capitalismo.
Meu Deus, como é bom ter alguém pra pôr a culpa de nossas desgraças, não? Trabalhamos muito porque Trump ganhou a eleição e ele é malvado e cruel!
Não, lamento dizer que não. Você estabelece metas –quantos orgasmos até os 40 anos, quantas idas ao Vietnã, quantas aulas de meditação, quantos vira-latas trará pra casa por uma semana– porque você quer realizar coisas. É quase normal, se alguns dos exemplos não soassem um tanto excessivos.
Mas, o projeto do futuro pessoal como ciência vai além disso. Significa tornar seu futuro um objeto do Excel. Seu eu e o Excel como íntimos.
Racionalizar quantos minutos você pretende, infelizmente, gastar sendo infeliz nos próximos 20 anos. E montar uma estratégia para reduzir esses danos. Uma certa tensão da vontade em tornar tudo a sua volta passível de otimização a serviço do sucesso e da autorrealização.
Os idiotas do sucesso não entendem que, quanto mais sucesso temos, menos humanos nos tornamos. O fato é que eliminar o humano é nosso projeto. Talvez seja uma boa ideia mesmo: somos por demais afeitos à melancolia e à incompetência.
É por isso que teremos que vender desesperadamente esperança no “amor à humanidade”, uma das maiores picaretagens já inventadas pela “filosofia”.
À medida em que se apaga em nós qualquer reverência pelo fracasso, perdemos qualquer capacidade de entender que projetar o futuro como forma de ciência comportamental e cognitiva é um modo de estupidez a serviço do empobrecimento do mundo. A vida se torna uma planilha cognitiva.
Encanta-me como o enriquecimento acabou por nos empobrecer a todos. Isso, os marxistas nunca conseguiram entender, porque no fundo sempre foram escravos da concepção moderna de vida. Os marxistas também tem suas planilhas de sucesso.
Faço votos que nesse ano você faça menos projetos para o futuro. Sei que a frase é absurda. Aspiramos todos a ser idiotas do sucesso.
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