A decisão das autoridades econômicas de elevação do salário mínimo (SM) de R$ 300 para R$ 350, representando variação nominal de 16,7% e real de 12,2%, e de antecipação da vigência em um mês, a partir de 1.º de abril de 2006, deve ser interpretada como positiva, independentemente dos objetivos e interesses políticos a ela acoplados, especialmente quando ocorre a coincidência temporal com o calendário eleitoral.
Essa postura oficial consolida o prosseguimento da trajetória de recomposição gradual do poder aquisitivo do mínimo, trilhada desde 1995. De fato, no transcorrer dos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), o SM acusou reajuste de 45% acima da taxa de inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para aferir a evolução média dos preços de uma cesta de produtos consumidos por famílias com rendimento mensal entre 1 e 8 SM.
Na gestão Lula (20032005), os ganhos ficaram em 25%, acumulando incremento de 82% em dez anos, aspecto que colocou o mínimo no maior patamar real desde 1980, equivalendo a uma capacidade de compra de 2,2 cestas básicas e a US$ 160 contra 1 (uma) cesta e US$ 60, respectivamente, no exercício de 1995. Frise-se que a valoração frente à cesta básica decorreu dos aumentos reais do mínimo e da menor impulsão dos preços dos alimentos, em razão da diminuição da cunha de tributos incidentes sobre essa categoria de produtos.
Já a mensuração em dólares revela-se imperfeita e enganosa, por incorporar apreciável valorização do real verificada desde fins de 2003. Se tal mensuração fosse efetuada com base nos critérios do Banco Mundial que levam em conta a paridade de poder de compra (PPC obtida pela conversão de reais em dólares, depois do confronto do padrão monetário nacional com um conjunto de moedas dos países com os quais o Brasil possui maior intercâmbio comercial), o SM ficaria em US$ 80. Ademais, para cumprir os princípios embutidos no Decreto-Lei 2.162, de 1940, o SM deveria valer presentemente cerca de R$ 1.500,00 ou US$ 360 (PPC), sinalizando a existência de enorme espaço para a restauração de poder de compra.
No entanto, os efeitos líquidos do novo SM serão expressivos. Mesmo reconhecendo que apenas 6% dos vínculos empregatícios formais no Brasil pertencem à faixa salarial entre zero e um SM, ou menos de 2 milhões de trabalhadores, a necessidade de ajuste das cifras de rendimentos para as classes entre R$ 300 e R$ 350 pré-novo mínimo e de correção dos valores previdenciários, permite contabilizar painel de beneficiários de aproximadamente 40 milhões de pessoas e injeção de recursos da ordem de R$ 25 bilhões no sistema econômico em 2006, segundo projeções do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).
Esses resultados correspondem a 1,3% do PIB, ou mais de quatro vezes os dispêndios com o Programa Bolsa-Família, comprovando que iniciativas voltadas à geração de renda possuem maior repercussão na produção e nas transações (e inclusive na redução das desigualdades) do que as práticas assistencialistas, disseminadas nos últimos anos como uma espécie de "prêmio consolação" ante a abdicação oficial da adoção de estratégias sustentadas de crescimento econômico. Lembre-se de que os gastos privados das aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) representam o elemento preponderante para o funcionamento de vários municípios de pequeno porte do interior do país.
Por certo, os inconvenientes provocados pelo novo SM no equilíbrio das contas públicas e na matriz de custos privados, em curto prazo, serão compensados e suplantados mais adiante pelos desdobramentos multiplicadores dinâmicos em diferentes cadeias de negócios, lideradas pelos ramos fabricantes de bens de consumo não duráveis, em um panorama marcado pela ausência de pressões inflacionárias pelo lado dos demais determinantes da dinâmica dos componentes da demanda final, especificamente déficit público e crédito.
A perenidade dos objetivos de devolução do potencial aquisitivo ao salário mínimo não representa o remédio milagroso capaz de retirar parcela expressiva da sociedade brasileira da classe dos excluídos. Mas é um primeiro passo na direção do resgate de alguns princípios essenciais de cidadania, mais articulados à busca de emprego e renda e menos atrelados às práticas oficiais de cunho paternalista.
Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE Centro Universitário.
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