| Foto: Felipe Lima
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No Estado de Direito, os poderes exercem suas competências no espaço delimitado pela ordem jurídica e, dada a independência entre eles, eventual ingerência na atividade de outro viola o princípio da separação dos poderes, ao mesmo tempo em que deixar de conter episódica extrapolação aos limites caracteriza inaceitável omissão. Esse mecanismo de contenção, destinado à proteção dos cidadãos contra atos arbitrários, a exemplo do controle judicial em relação aos poderes Executivo e Legislativo, denomina-se sistema de “freios e contrapesos” (“checks and balances”).

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Importa aqui o questionamento sobre as fronteiras desse controle, notadamente verificar se o Supremo Tribunal Federal, em que pese sua composição colegiada, ao suspender, por decisão monocrática, a eficácia de atos de outros poderes, estaria a exercer indevida interferência.

Recentemente, o ministro Marco Aurélio Mello invocou a unidade da corte para propor emenda ao Regimento Interno, a fim de que o exercício do controle de ato de outro poder, enquanto poder, seja examinado e decidido, ainda que de forma provisória, pelo colegiado.

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Não se discute que a proposição busca a legitimação democrática da corte e a desejada priorização de decisões colegiadas, na linha do que Pontes de Miranda retratou como a maior certeza que exsurge do “exame múltiplo ao mesmo tempo em relação ao exame de um só”.

Apesar disso, opõe-se à pretendida alteração regimental, porque os poderes conferidos ao relator, em um órgão jurisdicional colegiado, são absolutamente necessários em razão de situações inadiáveis, algumas capazes de fazer com que o titular suporte injustamente os efeitos de graves violações de direitos até que seja possível a reunião do colegiado.

Várias são as previsões legais de decisões monocráticas em circunstâncias como tais: Código de Processo Civil (artigo 932, I), ações de descumprimento de preceito fundamental (Lei 9.882/99, artigo 5.º, § 1.º) e mandados de segurança (Lei 12.016/2009, artigo 16). Exatamente por isso a jurisprudência admite a concessão de liminares inaudita altera parte contra a Fazenda Pública.

Além disso, mostram-se suficientes os mecanismos de contenção das decisões monocráticas atualmente existentes, a começar pela necessidade de motivação inclusive em relação ao porquê da intervenção monocrática, dentro dos critérios estabelecidos pelo artigo 489 do CPC, sob pena de nulidade.

Ainda, verifica-se que a regra é a de que as tutelas de urgência sejam submetidas ao plenário ou à turma (Regimento Interno do STF, artigo 21, IV), enquanto apenas a exceção seria a adoção de medidas de urgência pelo relator, preferencialmente após prévio contraditório, sempre ad referendum do colegiado (artigo 21, V), medida passível de aperfeiçoamento pela definição de prazo para que ocorra.

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Por fim, considera-se que a parte supostamente lesada pela decisão do relator tem a faculdade de impugná-la, por meio da interposição do agravo regimental, sem prejuízo de eventual retratação.

Em conclusão, não obstante se reconheça o acerto da proposta em seu objetivo de buscar a colegialidade, a ela se contrapõe, porque o contexto fático não autoriza que seja subtraído do relator o poder-dever de aplicar tutelas de urgência, até mesmo para evitar o perecimento do direito material, o que significaria negar a própria jurisdição. Tal excepcionalidade, porque adequadamente parametrizada, não viola, em absoluto, a separação dos poderes.

Cláudio Smirne Diniz, doutor em Direito, é promotor de Justiça e professor de Direito Administrativo.