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No Brasil você vota, mas não põe a sua cédula dobrada em uma urna indevassável. Ao digitar seu voto na máquina eletrônica você apenas entrega aquela “cédula” virtual preenchida e aberta para alguém (um robô) do TSE, que lê suas escolhas. Assim podemos deduzir que o TSE (o STF) teoricamente poderia saber em quem cada um dos 150 milhões de eleitores votou. Bastaria vincular o horário da digitação do seu voto com a inserção do horário de sua presença pelo mesário no sistema.
Além disso, nunca será possível saber se o robô alterou as suas escolhas ou não, e a apuração é simultânea e definitiva, pois não há recontagem de votos. Assim, ele pode ficar sabendo em tempo real sobre a tendência dos votos naquela máquina e o provável resultado final. Também não é possível saber se o sistema vai alterar também os próximos votos ao “perceber”, ao longo do dia, aquela tendência e o resultado que ele não deseja. Não são acusações, mas possibilidades humanas aliadas às atuais avançadas facilidades de programação de softwares e hardwares com o uso da inteligência artificial.
Este robô é comandado pelo “técnico do TSE” que o programou. Ele é a mão e o cérebro alongados deste técnico em tempo real no dia da eleição. Por sua vez, o técnico é comandado pelo presidente do TSE – que é uma extensão do próprio STF. Não importa quem é o presidente do TSE. O presidente é o próprio STF. Resumindo, o STF comanda as eleições brasileiras. Em verdade, não falamos de um mero técnico, mas de algumas pessoas reais altamente qualificadas em engenharia de sistemas complexos que administram este grande robô programado em Brasília. E o robô, ou o “sistema”, é inserido nas máquinas de votação, nos computadores e periféricos (lembra do mesário lhe identificando num teclado?), e também na nuvem do TSE.
Já sabemos que os mesários, o juiz destacado para a eleição na cidade e o Tribunal Regional Eleitoral do estado não têm muitos papéis no dia da eleição, como era no passado. A cédula aberta é gerenciada pelo TSE, fazendo uma mera escala cega no TRE após as 17 horas. O papel dos mesários é gerenciar a fila de votação, identificá-lo, inserir no sistema a sua presença e colher a sua assinatura – é só isso que o sistema precisa de você.
Portanto, também não existe mais apuração posterior dos votos porque eles são “apurados” um a um em tempo real na própria máquina, assim que você os digita. Ela está programada para entregar um “boletim de urna” às 17 horas, orgulhosamente impresso em papel e afixado na porta da seção como prova da higidez e da publicidade da apuração. Mas a verdade é que nem você vai provar que o sistema alterou seu voto – a cédula aberta que você entregou ao digitar e ele leu no mesmo instante –, nem o TSE e seu sistema vão provar que não alteraram nada e que suas escolhas foram contadas na apuração. A impossibilidade técnica de saber isso está em que, depois que ele fizer o que quiser com sua cédula, tudo desaparece logo após o fim do horário de votação – inclusive sua cédula e suas escolhas, restando apenas aquele “boletim de urna” com o resultado que então será inquestionável, porque o TSE quer que seja assim. É impossível uma perícia no voto, uma aferição na “apuração” ou uma recontagem de votos.
Para entender o assunto não é tão necessário focar nas questões técnicas da máquina de digitar votos e seu software, tais como em que momento foi inserida nas máquinas de votar a última versão do sistema e suas tabelas, antes do dia da eleição (a partir de quando ninguém mais pode olhar ou alterar mais nada no sistema de “urnas”); ou, ainda, sobre se há algum algoritmo com inteligência artificial instalado na máquina com base em dados geográficos, sociais, políticos e econômicos; não precisa imaginar o software do TSE – o robô, com uma linha de programação capaz de reprogramar os votos ao longo do dia conforme alguém mandou fazer previamente, e às 17 horas aquela linha se autodestrói; finalmente, não precisa conhecer muito sobre a questão de que o “código fonte” do software e as “chaves de criptografia” são inacessíveis para aferição da higidez, da segurança e da confiabilidade do sistema. Isso tudo é verdade e preocupante, mas há outras premissas anteriores e mais básicas do ponto de vista da democracia e de eleições livres, públicas e transparentes – a decisão “nós, o povo”.
Basta tentar revestir esta votação eletrônica com as medidas e conceitos de eleição democrática em sua origem, antes das máquinas: 1. o voto deve ser secreto, universal e seguro; 2. a urna deve ser indevassável; 3. a apuração deve ser pública, feita por qualquer do povo, com possibilidade de aferição de possíveis erros ou fraudes.
Tendo em conta isso, as eleições eletrônicas brasileiras não cumprem os requisitos para serem reconhecidas como públicas, transparentes e seguras, mediante voto secreto e universal.
O voto não é secreto porque é lido pelo “robô” (um sistema que obedece ao comando de algumas pessoas apenas) assim que é digitado; portanto, não é secreto nem seguro. O sistema não permite que a apuração seja feita por um leigo, por qualquer do povo, mas exclusivamente por um sistema complexo e restrito, dirigido por aquele pequeno grupo de pessoas tecnicamente qualificadas e comandadas pelos ministros do STF, este representado por um deles na presidência do TSE.
Uma eleição assim não é confiável. E quem diz isso são países como Alemanha, Japão e Reino Unido, dentre outros, que dominam melhor que nós todas as tecnologias de software e hardware, e que rejeitam este nosso sistema para as eleições deles.
Claro que a natureza humana dos operadores analógicos nas velhas eleições – sejam mesários e apuradores ou os juízes destacados para a tarefa – indica sua vulnerabilidade a erros e fraudes, e sempre esteve presente nos embates comuns a cada uma das velhas eleições. Estes embates se davam em tempo real e em alguns lugares se assemelhavam a guerras campais bárbaras. E, depois, também em juízo, após concluída a apuração (recontagem, perícia etc.). Havia um processo de evolução muito lento das virtudes contra os defeitos, o que nos afligia e deixava nua a fragilidade dos nossos costumes e dos vícios culturais. Afinal, a complexa sociedade brasileira é a mãe dos poderes constituídos, inclusive do Poder Judiciário, que deve administrar as eleições.
Mas, se a natureza humana em que está presente a fraude estava lá, nas velhas eleições, também está aqui, no processo eleitoral eletrônico. Os atuais operadores digitais das novas eleições digitais – sejam técnicos do sistema ou juízes do TSE – são pessoas humanas como aquelas do passado, e o sistema é a sua longa manus.
O mais seguro sistema envolvendo as mais altas tecnologias do mundo todo é o das transações eletrônicas de meios de pagamentos. O mundo bancário está em permanente evolução e recebe dos acquirers & issuers das transações financeiras eletrônicas no mundo todo investimentos milionários a cada ano para enfrentar a veloz evolução da fraude. O crime sempre alcança o sistema e segue fraudando bilhões de dólares anualmente, apesar das constantes evoluções e aperfeiçoamentos.
Porém, no campo eleitoral a evolução tecnológica está interditada. A disrupção tecnológica – a chegada da votação eletrônica – impediu a contestação da possibilidade de fraudes ou de recontagem de votos. O sistema passou a ser “judiciário”, assegurando ser perfeito e acabado, tão absoluto e irrecorrível quanto uma decisão judicial transitada em julgado. E você tem de acreditar nele, obedecê-lo e, no limite, o Poder Judiciário talvez ainda resolva punir você por duvidar dele ou tentar descumprir aquela decisão tecnológica-judicial, que foi no que se transformou o resultado eleitoral brasileiro.
O TSE passou a ser um poder absoluto e eletronicamente “justo” – para o nosso bem. Um deus eleitoral higiênico e estético, que deseja que você, o povo, não possa dizer mais nada e que o derrotado aceite, pois dói menos.
Na origem, eleições nunca foram operações judiciárias nem tecnológicas. São operações nas quais juízes são escalados e por isso remunerados com uma gratificação financeira especial acrescida aos seus salários para esta tarefa, os quais convidam pessoas do povo (qualquer do povo) para trabalhar gratuitamente no dia da eleição e na apuração, como auxiliares destas operações públicas. Algo parecido com os jurados de um júri popular. São operações administrativas de colheita dos votos com urnas cerradas e indevassáveis. Em seguida, os auxiliares vindos do povo operam na contagem dos votos – na abertura pública das urnas indevassáveis e na apuração pública dos votos nas cédulas só agora abertas aos olhos de quem quiser ver. Por isso tudo o processo sempre foi acompanhado por fiscais e observadores dos candidatos, voto a voto, com seus defeitos, erros e fraudes, mas tudo publicamente escancarado, até mesmo as tentativas de esconder defeitos ou fraudes.
A “Justiça Eleitoral” brasileira – juízes eleitorais permanentes, tribunais eleitorais estaduais e Tribunal Superior Eleitoral – é criação exótica que não tem nada parecido no resto do mundo. Ela e sua similar “Justiça do Trabalho”, com toda a sua caríssima estrutura “judiciária”, só existem no Brasil. Ambas foram concebidas lenta e silenciosamente, no início minimalistas, e se transformaram nestes dois poderosos monstros, no sentido de grandeza. A Justiça Eleitoral brasileira tem 25 mil pessoas, prédios e estrutura permanente nas comarcas do país, 27 Tribunais Regionais Eleitorais com estrutura permanente e também o grandioso TSE. Na Argentina, por exemplo, não há nada disso: durante as eleições, alguns juízes são afastados de suas atividades regulares para atuar neste período eleitoral com a ajuda dos “quaisquer do povo” e, em seguida, tudo volta ao normal, pois eleições não existem a todo tempo.
É interessante, ainda, observar as eleições norte-americanas de 2020, primeiro para confirmar o caráter não judiciário de uma eleição democrática, mas que, significativamente, está traçando lá o mesmo processo de engolfar a decisão do povo, o princípio dos Pais da Pátria americana “we, the people”. O obscurantismo secreto digital e até mesmo os mecanismos analógicos tradicionais ainda presentes por lá parecem ter sido ambos dominados pela conspiração disruptiva de um grande poder.
As eleições lá são homologadas pelo Congresso e todas as discussões sobre fraude ficam nos níveis dos Senados estaduais. A Suprema Corte americana não aceitou entrar no mérito da existência de fraudes nas eleições de 2020, quando houve votações de dimensões jamais vistas pelos correios, com dispensa de identificação de multidões de eleitores para votar e pela agora auditada multiplicação de votos em máquinas de fotocópia.
Os próprios números finais clamorosos e inusitados da soma dos votos para presidente, cujas cédulas foram entregues nas mãos de apuradores de votos que fizeram o que quiseram – com as cédulas e com a apuração –, por si, acendem uma luz vermelha. Um dado para análise macro e superficial, mas significativo, é a soma dos votos em 2020 comparada com o histórico recente das eleições americanas, quando Obama era o grande campeão histórico de votos até a chegada glamorosa do impressionante presidente Joe. Em 2008, Obama teve 69,5 milhões de votos; em 2012, foi reeleito com 67 milhões. Em 2016, Trump venceu com 63 milhões e, quatro anos depois, perdeu recebendo 74,3 milhões porque, aos quase 80 anos, o fenomenal Joe Biden fez a impensável e inédita votação de 81.3 milhões de votos. Superou o então campeão Obama em 14,3 milhões de votos. Nos Estados Unidos o voto não é obrigatório, as variações históricas nunca foram desta dimensão e quase tudo foi apurado por máquinas eletrônicas. Interessante lembrar que houve apenas um debate, pois o presidente eleito não queria debater com seu adversário. Os 74,3 milhões de votos de Trump foram um número proporcional razoável em face da evolução no número de eleitores entre eleições recentes.
O apontamento sobre as eleições americanas é para acentuar que tanto lá como aqui há grandes pontos de interrogação sobre o resultado eleitoral e, sobretudo, há resistência contra as iniciativas legislativas para dar mais segurança e transparência ao processo eleitoral. No Texas, os deputados estaduais fugiram do território do estado para não votar o aperfeiçoamento eleitoral. No Brasil, o presidente do TSE e os ministros do STF fazem campanha aberta contra o aperfeiçoamento do processo eleitoral dentro do próprio Congresso Nacional – com sucesso. A disrupção é tecnológica e política.
O mecanismo foi instalado e não parece que a verdade da opinião da maioria do povo seja o valor maior para o poderoso establishment incrustado na estrutura do Estado e também em partes da sociedade, lá e aqui, com um escandaloso e aberto apoio da imprensa mainstream, tendo ao fundo as conhecidas pesquisas eleitorais.
No início de julho de 2021 foram concluídas auditorias nas cédulas de papel no Arizona e na Geórgia, que indicam ter havido fraudes suficientes para inverter o resultado final. A imprensa não divulgou. Na Filadélfia, onde houve uma incompreensível “virada” de última hora nas eleições em favor de Joe Biden, também está sendo concluída uma auditoria. Pela importância do assunto, o staff do presidente levou-o ao estado, como informou a Fox News, para tentar influir na auditoria.
É determinante e assustadoramente disruptiva também a entrada no poder mundial das chamadas Big Techs. Agora é sobre o que pode ser verdadeiro ou falso, o que de fato são fake news e o que pode ser fato, dependendo de quem fala; ou seja, o que é narrativa e o que é aceitável, a pós-verdade e a “verdade” imposta por quem manda. Google, Twitter e Facebook, dentre poucos outros, estão determinando os novos padrões sobre o conceito de Estado e de nação, sobre comportamento social aceitável em sociedade e sobre a punição do que é por eles inaceitável.
Ideologias, eleições, novos gêneros humanos, vacinas e o que é politicamente correto ou não são as novas imposições desta torrencial hecatombe disruptiva planetária que está mudando as faces das sociedades, das nações e do conceito de Estado no mundo inteiro.
Este é o status atual da democracia no Ocidente. Nós, o povo, estamos obrigados a confiar e obedecer aos “donos do poder” de quem falou Raymundo Faoro em seu livro do mesmo nome. Eles são o deep state, o “estamento burocrático” e a mídia mainstream. Chegaram recentemente ao grupo dos donos do poder o resultado eleitoral garantido e harmonizado pelas pesquisas eleitorais (para assim evitar novos fenômenos fora do seu controle no futuro) e as Big Techs para preencher as falhas de poder da velha imprensa.
O Estado Democrático de Direito passa a ser apenas uma ficção estética e dialética. Observamos isso no Brasil e também nos Estados Unidos. Assistimos a movimentos desarmoniosos entre os três poderes sendo “normalizados”. Vemos, catatônicos, o desassombro do Judiciário nas invasões e movimentações inconstitucionais, sem qualquer possibilidade de correção ou punição. Mais extraordinária e emblemática é a resistência escancarada e ameaçadora dentro do próprio deep state, tendo na linha de frente o STF, contra as iniciativas de melhorar a transparência e a segurança do processo eleitoral.
Iniciei este artigo dizendo que no Brasil você vota, mas não põe a sua cédula dobrada em uma urna indevassável. Ao digitar seu voto na máquina eletrônica você apenas entrega aquela “cédula” virtual preenchida e aberta para alguém (um robô) do TSE, que lê suas escolhas na mesma hora. Afirmo isso porque no primeiro turno das eleições de 2018, ao digitar meus votos, o sistema, a máquina de votar, mostrava a foto do candidato na tela e seu número, pedindo para eu confirmar cada um dos votos. Todos sabemos disso, e também que o último dos votos era para presidente da República. Ao digitar o número do candidato a presidente, ao contrário dos votos anteriores, a tela da máquina apenas mostrou muito rapidamente a foto do candidato e desapareceu, não me oferecendo a oportunidade de confirmar o voto, como ocorreu com os demais. Achei estranho e relatei aos jovens mesários da minha seção eleitoral, que ficaram me olhando sem respostas. E lembro que um deles comentou “acho que é assim mesmo”. Então, não desejando que aquilo fosse considerado teoria conspiratória minha se relatasse a alguém, nem que aquele fato fosse um dado real de uma conspiração, peguei meu comprovante de votação e fui embora, cogitando ceticamente que talvez fora uma questão pontual, apenas comigo. Acompanhando os fatos ao longo do dia da eleição, percebi muitas pessoas em todo o país relatando o mesmo episódio pelo qual passei e também outros semelhantes.
Foi então que comentei com pessoas próximas sobre o que aconteceu comigo. Dentre elas, familiares e alguns amigos – dentre estes, o deputado federal Rubens Bueno e seu filho. Foi por WhatsApp e a resposta dele, o pai, com a liberdade que dispõe comigo e em sua posição de defesa do sistema eleitoral atual, foi no sentido de que eu deveria ter registrado o fato perante os responsáveis pela seção, denunciar. Mas ocorreu que na hora, ciente de não conseguir provar, talvez nem querendo acreditar, não fiz nada.
Esta imersão que faço na questão do processo eleitoral não está lastreada apenas na minha condição de advogado sênior, mas também no meu background de intimidade que sempre tive com tecnologias em geral (meu escritório foi um dos primeiros no país a ser automatizado com os computadores de sistema DOS nos anos 1983-1986, mais o então poderoso Open Access – banco de dados, editor de textos etc.), ou ainda na minha passagem como vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios em uma empresa norte-americana de sistemas de hardware e software para meios de pagamento nos anos 1996 a 2001, e depois representando no Brasil uma outra empresa, esta francesa, do mesmo ramo, até 2006. Creio que guardo certa bagagem de informações técnicas e jurídicas, bem como experiências, além do relacionamento de amizade com grandes engenheiros de sistema com os quais convivi neste período e que ainda consulto. Ou seja, estou opinando com segurança pessoal sobre este assunto para, no mínimo, concluir que o sistema brasileiro de votação eletrônica precisa evoluir com urgência para ser mais seguro.
Juarez Dietrich é advogado, Master of Laws, pós-graduado em Processo Civil, fundador da empresa Netset, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios na Hypercom e ex-membro do banco de conselheiros do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e do European Corporate Governance Institute (ECGI).