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Os militares e a CPI

O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM)
O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM) (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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No decorrer dos trabalhos pertinentes à atual Comissão Parlamentar de Inquérito em vigência no Senado Federal, seu presidente, ao concretizar uma intervenção verbal, asseverou que “fazia muito tempo que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”. Logo após esta fala, emergiu uma nota assinada pelo ministro da Defesa e pelos seus colegas das três armas, em reação ao pronunciamento do senador Omar Aziz, a qual dizia que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo”.

Tendo em vista acalmar os ânimos dos parlamentares, o referido ministro entrou em contato com o presidente do Senado para informar que a mesma foi apenas uma reação pontual ao discurso do senador. Rodrigo Pacheco destacou que havia ocorrido um mal-entendido e que o assunto estava encerrado, bem como disse que o diálogo e o respeito mútuo entre as instituições foi ressaltado por ambos.

Tais ocorrências foram capazes de provocar o aparecimento de uma enorme quantidade de posicionamentos, nos mais diversos sentidos, nos meios de comunicação. Resumindo alguns deles: os comandantes militares não almejaram enfraquecer a CPI; os comandantes militares ameaçaram dar um golpe de Estado; a nota provocou mais desgaste, aumentou a instabilidade e trouxe alarmismo; os autores da nota deveriam utilizar sua ira para condenar quem enlameia a farda; o texto constituiu uma intimidação aos senadores; a nota foi truculenta e golpista; o presidente incitou os comandantes militares; a maioria dos militares é proba; foi precipitado usar um termo pejorativo; os militares envolvidos não mereciam uma defesa tão desmedida; as Forças Armadas não vão tolerar o envolvimento de militares em ilegalidades.

Frente a estas colocações, cabe expor algumas inferências. Uma delas diz respeito ao fato de que a fala do senador Aziz foi espontânea, não decorrente de uma atividade reflexiva. Se ele tivesse levado em conta o atual desgaste das instituições bélicas e o incômodo dos militares com os colegas envolvidos, é provável que a mesma não tivesse sido proferida. A segunda envolve o uso da expressão “lado podre”. O modo como se expressou permitiu aos militares depreender que o mesmo tem uma existência estrutural não admitida por eles. A terceira recai na apresentação da nota. Ela se mostrou como um exemplo típico do abominável e intimidatório pronunciamento militar característico de nações da América Latina governadas por ditaduras no século passado, e que se opõe peremptoriamente aos valores assumidos pelos citizens in uniform europeus.

Este extemporâneo e execrável pronunciamento, talvez instigado pelo primeiro mandatário do país, muito parecido ao anterior, que emergiu na época do julgamento do ex-presidente Lula, o qual revela o emprego de conhecimentos específicos relativos às Operações Psicológicas, poderia, em consonância ao regime democrático, ter sido substituído por um documento endereçado ao presidente do Senado, ou por uma ação na Justiça. Sua concretização teve o poder de incrementar a inquietação e a desconfiança entre os civis e, consequentemente, estimular o aparecimento da ideia de golpe.

Vale observar que a percepção dos militares como potenciais golpistas pelos paisanos, decorrente de um passado recheado de intervenções na política, é muito difícil de ser sustentada. Com efeito, diversas transformações econômicas, políticas, sociais e ideológicas aconteceram após o término dos 20 anos de autoritarismo. Em relação aos militares, ocorreu um recolhimento aos quartéis, novas gerações entraram na caserna, os processos formativos se modificaram e o pensamento estratégico internacional sofreu profundas mudanças.

Além disso, eles têm se mostrado comprometidos com a estabilidade frente às condutas erráticas do atual presidente da República. Os servidores fardados sabem muito bem que um golpe não tem condições de sustentabilidade porquanto nossas instituições são vigorosas e não intimidáveis, e o espaço cívico nacional é muito dinâmico e reagente. Mais importante ainda é a inserção do Brasil no mundo globalizado. Pela força dos tratados internacionais e pela ampla interdependência, nosso país seria alvo de boicotes aplicados por outras nações.

A manifestação deste indesejável embate junto a outros reprováveis eventos do passado recente permite expor a conclusão de que as relações civis-militares estão muito abaladas, e o maior culpado disso é o Congresso Nacional. Com efeito, nossos parlamentares, no decorrer do tempo, não concederam atenção suficiente à necessidade de regulamentar a participação dos fardados em cargos no governo, ao exame de temas ligados à defesa do país, ao aperfeiçoamento do controle democrático das Forças Armadas, e à revisão de sua destinação constitucional.

Antonio Carlos Will Ludwig é professor aposentado da Academia da Força Aérea, pós-doutorado em Educação e autor de “Democracia e Ensino Militar” e “A reforma do ensino médio e a formação para a cidadania”.

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