Ao ler o diagnóstico feito e as possíveis saídas encontradas pelos economistas neoliberais para a crise da Covid-19, temos a sensação de que eles estão perdidos. As economias, as sociedades e as pesquisas médicas mundiais estão buscando entender o coronavírus, sem muita certeza da dimensão exata da sua cura, duração e consequências para as sociedades e as economias em todo o mundo.
Logo no início da crise, os neoliberais mais preocupados com a economia passaram a defender, junto com os seus governos, que o mais importante era manter a economia funcionando normalmente até o vírus contaminar a maioria da população, matar milhares de pessoas e assim criar a “imunidade de rebanho” necessária para vencer a pandemia. De repente, viram o desastre pelos erros dos governos no Ocidente, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, que sucumbiram com milhares de infectados e mortos – a triste realidade de Itália, Espanha e Inglaterra, onde até o primeiro-ministro Boris Johnson não pôde se livrar da contaminação, sendo entubado e depois liberado. A sua primeira manifestação foi agradecer aos trabalhadores da saúde pública e aos hospitais públicos pela sua recuperação. Foi o primeiro mandatário de uma das maiores economias do mundo capitalista a valorizar a saúde pública, o NHS, sistema público de saúde britânico, que serviu de modelo para o SUS brasileiro.
O presidente da principal potência do mundo capitalista, Donald Trump, nas primeiras manifestações do vírus nos EUA, convocou a imprensa na Casa Branca para dizer aos norte-americanos que continuassem sua vida normal, pois não iria decretar o isolamento. Uma semana depois, quando sentiu o drama e a pressão da comunidade da saúde, recuou e indicou a quarentena. Continua fazendo ameaças aos governadores, jogando neles toda a responsabilidade por terem decretado o isolamento. O seu fiel seguidor no Brasil, o presidente da República, o imita de forma grotesca, indo às manifestações da classe média com seus carrões importados gritando pela volta da ditadura, fechamento do Congresso Nacional e do STF, responsabilizando essas instituições pela crise do coronavírus.
Nesta periferia do capitalismo mundial, o ministro da Economia, formado em Chicago, defensor do sistema financeiro, continua defasado, afirmando que assim que terminar a pandemia voltará com tudo para a continuidade das reformas. Parece que está mal informado, não está acompanhando as medidas adotadas pelos governos do capitalismo central, onde ele se formou. Na Europa e EUA, os governos já abandonaram as políticas neoliberais do Estado mínimo, liberando trilhões de dólares e euros para enfrentar a pandemia. Adotaram políticas da renda mínima para milhares de famílias poderem suportar as consequências da crise, liberaram o seguro-desemprego, beneficiando só nos EUA 25 milhões de trabalhadores. Os Estados Unidos, que nunca se preocuparam com a saúde pública, jogando o ônus da assistência à saúde para a medicina privada, estão pagando muito caro, com a morte de milhares de pessoas, atingindo a maior taxa de infecções e mortalidade do mundo, principalmente dos mais pobres, dos negros e latino-americanos.
No Brasil, o governo neoliberal continua preocupado com a guerra ideológica, atacando os governadores e prefeitos por estarem protegendo seus cidadãos. Das medidas tomadas até agora, as que beneficiaram a população mais pobre vieram graças à pressão social dos eleitores sobre os parlamentares. De início, o governo federal falava na irrisória quantia de R$ 200 por mês; por pressão da oposição e sensibilidade do parlamento, aprovou-se uma ajuda de R$ 600 por mês durante três meses. Para os grandes empresários e sistema financeiro, o governo foi mais benevolente, aprovando R$ 1,3 trilhão para socorrê-los.
Antes da crise, o neoliberal ministro da Economia defendeu as reformas trabalhista e previdenciária, que só estão agravando a situação dos trabalhadores pela destruição de direitos trabalhistas e aumento da contribuição previdenciária, que contribuem para a diminuição da capacidade de compra dos mais pobres. Se tudo isto não bastasse, o governo vem, ainda, com a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho com diminuição dos salários em até 30%. Essa medida é mais um elemento de desentendimento entre os economistas neoliberais. Monica de Bolle, professora na universidade norte-americana Johns Hopkins, é contra por entender que a faixa de renda de até três salários mínimos é a que mais consome e será importante na retomada do crescimento econômico. Defende o corte dos que ganham supersalários, dos que não conseguem consumir toda a sua renda e aplicam na especulação financeira, garantida por recursos do governo para o pagamento da dívida pública, que no Brasil chega a consumir 48% do orçamento do país.
A crise da Covid-19 está desmistificando o mito do deus mercado, desnudando a política neoliberal, responsável pela geração da miséria da maioria da população, tentando escondê-la com soluções que até há pouco pareciam milagrosas.
Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento Econômico, é professor aposentado da UFPR e conselheiro titular do Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba).
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